Escrevo sim, para completar o pouco de tempo que me resta, tentando enriquecer-me espiritualmente, pois a fortuna material faria pesar ainda mais meu caixão. E vai ali um pobre rico, que soube brincar com a vida, tornando-a um carrinho de lata de doce de goiabada, Real, por sinal, a rolar calçadas íngremes num desafio constante ao subir e descer coxias. Alimento-me com o bater dos teclados, orquestra sinfônica das minhas várias noites mal ou bem dormidas. Sorvo o néctar dos sábios, mesmo sabendo que sou incapaz de assimilá-lo, mas tento outra vez por ser teimoso. E no ir e vir das minhas falanges , apertando cada tecla como num amor de batráquio, satisfaço-me e chego ao orgasmo falso dos falsos escritores. Assim me vejo no meu crítico espelho.
Quanto de devo ó ciência, pois poupaste meu tempo em corrigir meus erros ortográficos, bem como de desgastar as páginas já amareladas e carcomidas do meu Aurélio. Mas escrevo de modo um tanto compulsivo, como no afã do asmático que traga o ar que lhe rodeia, fazendo da eternidade aquele momento. Que bom seria se eu fosse poeta, traduzindo nas minhas linhas o cotidiano, o que a vida me dá e o que tiro dela… seria uma comédia própria não dos teatros da fifth avenue, mas dos circos que percorrem o sertão do nordeste, com suas lonas remendadas, castigadas por um sol sempre presente e pela chuva que acanhadamente, às vezes aparece.
Quão bom é brincar de escrever pois, as ideias e os cenários que passam uns após outros nos transportam para o vale dos sonhos aonde os homens se amam e a paz é a mediadora dos entreveros que não existem. Onde a graúna no seu canto mavioso brinca com os acordes, liberta em pleno voo. Onde o crocodilo abre seu bocão que aterroriza, mas verte lágrimas com um olhar piedoso. Onde o beija-flor no seu incessante bater de asas, desfiando a lei da gravidade, suga o néctar das rosas, papoulas e margaridas que harmoniosamente compõem e fazem o equilíbrio crômico do meu jardim, por que não meu éden?
Escrevo, escrevo sim, para eternizar para os meus pares o meu tísico pensamento, a minha às vezes tão comentada e criticada maneira de ser, que com certeza e, assino embaixo, nunca teve um tempero de maldade ou falsidade, pois, escrevendo, rumino um pouco do meu eu que, quisera Deus, fosse um alívio para os que sofrem mais que eu.
Vida, minha vida, como fresco contigo minha quenga virgem.
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FRANCISCO JOSÉ PESSOA DE ANDRADE REIS, nasceu em Fortaleza/CE, em 1949 e faleceu nesta cidade em 2020. Médico oftalmologista, com mais de quarenta anos de atuação nessa especialidade, ao tempo em que paralelamente se dedicava à vida literária, como poeta, trovador, cordelista e crônicas. Sempre muito festejado em suas rodas de amigos e colegas do Ceará, que carinhosamente o chamavam de “Pessoinha”. Aluno do Colégio Militar de Fortaleza, onde já se notabilizava como músico e ritmista da banda oficial dessa corporação militar. Diplomou-se em 1976, em Medicina pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Residência Médica em Oftalmologia no Hospital Pedro Ernesto do Rio de Janeiro. Tenente-médico do Hospital Geral do Exército de Fortaleza, onde serviu durante quatro anos. Possuía Clínica de Oftalmologia, como médico cooperado da Unimed Fortaleza. Era sócio da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores – Regional Ceará (Sobrames-CE), membro da Academia Maçônica de Letras do Estado do Ceará, membro da União Brasileira de Trovadores – Seção Fortaleza e acadêmico titular fundador da Academia Cearense de Médicos Escritores (ACEMES). Participou de diversas coletâneas como Sobrames-CE: Inspiração (2006), Receitas Literárias (2010), Passeata Literária (2011), Murmúrios Literários (2012), Letras que Curam (2013), Semeando Cultura (2016), À Flor da Pele (2017), Lapso Temporal (2018), Pontos de Vista (2019) e Sopro de Luz (2020). Foi parte em várias antologias literários do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul. Em 2014, publicou o seu livro Isto é Coisa do Pessoa, reunindo contos, crônicas, poesias, cordel e trovas. Destaque-se, também, o seu exuberante bom humor, como contador de causos, tendo, inclusive, publicado alguns em uma antologia de causos da caserna, e por jactar chistes precisos e engraçados Recebeu, merecidamente, premiações em vários concursos nacionais de trovas e poesias e foi um dos agraciados do Prêmio Unifor de Literatura de 2009 – Categoria Crônicas. Trovador premiadíssimo nos concursos de trovas.
Fontes:
Enviado pelo autor em 5 de março de 2013.
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