06 julho 2025

Asas da Poesia * 47 *


Poema de
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
Pinhalão/PR

ASPIRAÇÃO
"Ah, beija-me com os beijos
da tua boca." (Ct. 1.2)

Estes lindos olhos teus,
Azuis como o azul do mar,
Poderiam ser só meus...
- Como é bom poder te amar!

Nesta face de menina
Estou sempre a contemplar-te;
Como à sedosa bonina
Bem quisera acariciar-te!

Estes seios convulsivos,
Cheios de amor sem par,
Estão sempre efusivos...
- Quem me dera te abraçar!

Estes lábios - rubra cor,
Continuamente a exalar
Anseios de um grande amor...
- Que delícia te beijar!
= = = = = = = = =  

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Sonho um mundo onde o respeito 
recupere o seu valor,
e onde o amor pelo direito 
gere o direito do amor.
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Poema de
PAULO LEMINSKI 
Curitiba, 1944 – 1989

Bem no fundo 

No fundo, no fundo, 
bem lá no fundo, 
a gente gostaria
de ver nossos problemas 
resolvidos por decreto

a partir desta data, 
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula 
e sobre ela — silêncio perpétuo

extinto por lei todo o remorso, 
maldito seja que olhas pra trás, 
lá pra trás não há nada,
e nada mais

mas problemas não se resolvem, 
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear 
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.
= = = = = = = = =  

Trova de
AMÁLIA MAX 
Ponta Grossa/PR, 1929 – 2014

Quando nos chegam tardias, 
esperanças sempre são 
aquelas parcas fatias 
de miolo velho... sem pão!
= = = = = = = = =  

Poema de
JOSÉ USAN TORRES BRANDÃO
Senhor do Bonfim/BA, 1929 – 2022

O médico

Entre quatro paredes, seu mundo restrito 
De grandes emoções, suas horas, dia-a-dia 
Aliviar a dor, salvar vidas, está escrito 
Sua missão, um sacerdócio sem hipocrisia.

Marcas do tempo, cedo batem à sua porta 
Esclerose, enfarte, cansaço, depressão
Seu lar, que não é seu ninho, teme sua sorte 
Médico, imagem tão mudada neste mundo cão.

Já não se fala dele como ser superior 
Hoje, nome desgastado, luta pra viver
Como qualquer ser, anônimo, sem valor 
Num mundo de mercado em que mais vale ter.

Médico, operário de Deus, salvando vidas 
Também chora, também ama e também sonha 
Na sua labuta com alma e corpo, suas feridas 
Leva uma existência bem tristonha.

Não é sem luta que ele ganha fama 
Nem é na flor que ele vê espinho 
Num pedestal também joga-se lama 
Médico, não ligues, segue o teu caminho.
= = = = = = = = =  

Trova de
ISTELA MARINA GOTELIPE LIMA 
Bandeirantes/PR 

Velhos sonhos, na lembrança, 
vou mantendo em meu viver 
e nunca perco a esperança 
de que vão acontecer!
= = = = = = = = =  

Poema de
CÍCERO GALENO URROZ LOPES 
Uruguaiana/RS, 1945 – 2017

A gaiola

Que coragem tens ou cruel brutalidade, 
que incauto inocente, pelo alimento, 
condenas à prisão pela vida inteira 
e dele usufruis financeiros resultados?

Ainda ontem pelo verde e pelo azul voava, 
o encanto da vida e o aconchego dos seus 
podia usufruir em plena natureza...
hoje o tens mísero, pequeno e dominado. 

A gaiola o prende em reclusão perpétua,
e há de cantar e olhar a luz e o verde, 
fechado entre grades, ruídos e estranhos;

o silêncio e a cor da mata e dos seus o canto 
serão torturas amargas daqui em frente 
a quem duas asas tinham poder de céu
= = = = = = = = =  

Trova de
JANETE DE AZEVEDO GUERRA 
Bandeirantes/PR

Amor, carinho, esperança... 
marcaram as nossas vidas. 
Hoje, somente lembrança 
nas fotos envelhecidas!
= = = = = = = = =  

Poema de
RODRIGO GARCIA LOPES
Londrina/PR

Na passagem dos céus que fogem de nós

Na imagem das coisas que retornam sem nós, 
Na miragem dessa solidão, você aqui:

Na repetição das antigas sensações 
Na fala a provocar o pensamento 
Parecendo um passado que se dobra 
Sobre esta polpa de presente:

Se a linguagem é nossa realidade 
E coisas forem apenas palavras
Então nos restará apenas a veracidade 
- Esse vácuo que nos acua ao avançar.
= = = = = = = = =  

Trova de
LUCÍLIA A. T. DECARLI 
Bandeirantes/PR

Nas horas tristes, sombrias, 
a esperança é a companheira 
que afugenta as nostalgias
e nos ergue... a vida inteira!
= = = = = = = = =  

Poema de
LOU DE OLIVIER
São Paulo/SP

O tempo e os funerais 

O tempo que tudo apaga 
E a todos arrasta
Que a beleza estraga 
E torna impura a jovem casta...

Esse tempo comanda o vento 
E tudo o que há na natureza
Seca a vida a cada momento 
Deixa a morte como única certeza...

Cada segundo que se vai
Não volta mais em tempo algum 
É sempre o vento que atrai 
E repele sem remorso nenhum...

Família, amor, trabalho
Tudo o que se vive aqui 
O tempo condensa no orvalho 
Resta uma essência a reluzir...

Lágrimas, dores, perdas: 
É sempre igual
Mudam só cenário e personagens 
E assiste o soberano temporal 
A mais uma das últimas viagens...

Da vida então resta nada 
Os mortos viram antepassados 
Só resta uma data comemorada
O tempo anuncia: É dia de finados...
= = = = = = = = =  

Trova de
MARIA FARIAS INOCÊNCIO 
União da Vitória/PR

Mais que ouro, fama, respeito... 
Mais que honraria, abastança, 
é trazer dentro do peito 
simplesmente uma esperança!
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Poema de
TOBIAS BARRETO
Vila de Campos do Rio Real/SE, 1839 — 1889, Recife/PE

Amar

Amar é fazer o ninho, 
Que duas almas contém, 
Ter medo de estar sozinho, 
Dizer com lágrimas: vem, 
Flor, querida, noiva, esposa... 
Cabemos na mesma lousa... 
Julieta, eu seu Romeu: 
Correr, gritar: onde vamos?
Que luz! que cheiro! onde estamos? 
E ouvir uma voz: no céu!

Vagar em campos floridos 
Que a terra mesma não tem; 
Chegamos loucos, perdidos 
Onde não chega ninguém...
E, ao pé de correntes calmas, 
Que espelham virentes palmas, 
Dizer-te: senta-te aqui;
E além, na margem sombria, 
Ver uma corça bravia, 
Pasmada olhando pra ti!
= = = = = = = = =  

Trova de
MARIA HELENA OLIVEIRA COSTA 
Ponta Grossa/PR

O amor, atrás das vidraças, 
num peito que não se cansa, 
faz descerrar, quando passas, 
as cortinas da esperança...
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Poema de
CELITO MEDEIROS
Curitiba/PR

A arte e a poesia

Sou sonho de artista realizando 
Da poesia os versos e o encanto 
Como a água da pedra brotando 
A terra cobrirá com seu manto.

Na vida real eu tenho procurado 
Dos traços do pincel um caminho 
As estrofes da poesia d'um lado 
Nas telas encontrar o meu ninho.

Minhas mãos calejadas o brilho 
No movimento criado uma razão 
As cores fortes são meu gatilho 
Disparando toda a minha emoção.

Num tempo distante deste tempo 
Quando maior valor poder existir 
Eu estarei viajando como o vento 
Da minha assinatura poderei rir.

Da dedicação nas artes e poesia 
Toda inspiração gravada ali fica 
Marcar o que na tela não podia 
Na literatura foi uma boa dica.

No silêncio solitário do trabalho 
Das noites de espera da amada 
Querendo sempre mais eu falho 
Como aquele que não fez nada.

Se é interessante minha obra 
Muito de meu tempo dediquei 
Serpenteando traços tal cobra 
Usando a tecnologia eu inovei.

Do que fiz estou bem satisfeito 
Tudo com grande amor e carinho 
Este é o resultado do meu jeito 
Desejando não apreciar sozinho!
= = = = = = = = =  

Trova de
MARIA LÚCIA DALOCE
Bandeirantes/PR

De ilusões eu fui vivendo...
e a esperança, disfarçada, 
via os meus sonhos morrendo, 
mas nunca me disse nada!
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Poema de 
JOSÉ FELDMAN
Floresta/PR

Melancolia de Poeta
(Dedicado à amiga e irmã de sonhos, Mara Melinni)

Há na alma do poeta um peso antigo,  
um fardo que o mundo não quer carregar,  
pois ele vê nos olhos de cada amigo  
de quatro patas, o que é amar.  

Ama os cães que correm livres na aurora,  
os gatos que vigiam a noite em vão,  
pássaros que cantam enquanto o tempo chora,  
e até os que habitam a solidão.  

Mas amar é dor, pois o mundo é rude,  
ouve os gritos que o silêncio traz.  
E o poeta em sua melancólica virtude,  
procura se a bondade no homem ainda jaz.  

Oh, doce animal, que não julga nem mente,  
que só pede o pão, um afago, um olhar,  
és a força que o poeta carrega em sua mente,  
quando o resto do mundo insiste em falhar.  

Há na alma do poeta uma ferida aberta,  
um abismo moldado pela compaixão.  
Ele vê a beleza onde a terra é deserta,  
e sente o pulsar do mais frágil coração.  

Cada ave que voa, cada peixe que nada,  
cada olhar de um lobo perdido na serra,  
é um chamado à alma que nunca se apaga,  
é o eco do amor que permeia a terra.  

Mas a melancolia, sombra que o persegue,  
é a certeza cruel que o tempo é voraz,  
que a vida dos que ama é um fio que entregue  
à eternidade que nunca volta atrás.  

E ainda assim, o poeta segue adiante,  
carregando no peito um jardim de esperança,  
pois sabe que a alma, mesmo vacilante,  
se enraiza no amor, que nunca se cansa.  

Ele busca na dor uma força escondida,  
uma chama acesa na escuridão,  
pois quem ama os animais, ama a própria vida,  
e encontra na simplicidade sua redenção.  

Oh, melancolia que molda o poeta,  
que o faz ver o mundo como ninguém,  
tu és a dor que nunca se completa,  
mas também és a alma que o mantém.  

Pois há nos olhos do cão que o espera,  
no cantar do pássaro ao amanhecer,  
uma mensagem que transcende a esfera  
daquilo que o homem pode entender.  

E assim, o poeta, com seu olhar profundo,  
segue amando os seres que o mundo rejeita,  
pois amar os animais é amar o mundo,  
é tocar a pureza que nele se deita.  

Que a melancolia seja então sua guia,  
não como um fardo, mas como razão,  
pois amar é a força que o dia irradia,  
e crava no peito a sua missão.
= = = = = = = = =  

Trova de
VANDA FAGUNDES QUEIROZ 
Curitiba/PR

No meu livro da Lembrança, 
ainda sem conclusão, 
saudade é aquela esperança 
que compôs a introdução...
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Soneto de
EUCLIDES BANDEIRA 
Curitiba/PR, 1876 – 1947

Ausência

Recresce, arpoante e funda, a saudade cruel. 
Corri ela foi meu sol, partiu minha risada!
Cada dia que passa é uma gota de fel 
que se me infiltra na alma e a põe envenenada.

Mais larga a ausência, mais a lembrança dourada 
resplandece, espertando emoções em tropel: 
o riso, o gesto, a voz; boca a boca soldada, 
os seus beijos febris que eram de fogo e mel…

Claro perfil de luz, louro encanto irradiando 
o revérbero astral de flavescente véu 
que dourava o meu sonho e o verso decadente.

Onde estás? interrogo. E a mágoa cresce quando 
sinto tudo em silêncio em torno. .. O próprio céu 
misterioso e azul, como os olhos da Ausente…
= = = = = = = = =  

Trova de
VÂNIA ENNES 
Curitiba/PR

Saudade vive e contesta, 
me acorda de madrugada, 
faz lembrar-me o fim da festa... 
o beijo... e a noite estrelada! 
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Poema de
JANSKE NIEMANN SCHLENKER
Curitiba/PR

Um pequeno túmulo

Lá na campina, queria ser flor
para que tua mão me colhesse,
ou ser o capim,
para que pudesses descansar em mim,
ou ser o caminho
por onde voltasses a ser meu,
ou ser um pequeno túmulo
- sem nome e sem data -
á beira da tua estrada
... e só tu saberias onde estou...
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Trova de
WANDA ROSSI DE CARVALHO 
Bandeirantes/PR, 1920 – 2014

Depois de uma aurora linda, 
sigo o momento que avança 
e, quando a tarde se finda, 
renovo minha esperança!
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Aventuras de Pedro Malasartes – 1


PEQUENA INTRODUÇÃO

Pedro Malasartes, um personagem folclórico que ganhou em cada recanto do Brasil, uma versão de sua estória. Originária da Europa, onde em cada país encontrase os seus pedros, como por exemplo, o Pedro Urdemales da Espanha, o Till Eulenspiegel da Alemanha, ou seja, em todas as culturas camponesas, onde há grandes diferenças sociais entre as classes, podemos encontrar contos populares onde o pobre é o esperto e o rico é o tolo. 

Aqui no Brasil encontrou condições favoráveis para permanecer e se espalhar por todas as nossas regiões. Assumindo particularidades brasileiras, se tornou um dos personagens mais populares de nossa cultura.

Personagem cosmopolita, cujo arquétipo, de espertinho com cara de bobo, é encontrado em diversas partes do mundo. Um burlão invencível nas histórias como ao tempo, que gerou tantos outros personagens como o João Grilo, o Amigo-da-Onça ou ainda o Zé Carioca. E é um contador de histórias que traz aos leitores o Malasartes: histórias de um camarada chamado Pedro, do polivalente Augusto Pessoa, que pesquisou nos mestres Câmara Cascudo, Basílio de Magalhães e Sílvio Romero, entre outros, e coletou algumas histórias para reuni-las nesse bom lançamento da Rocco Jovens Leitores.

Diversos autores já colocaram palavras para o camarada Pedro em seus livros, como o seu xará Pedro Bandeira, em seu Malasaventuras - safadezas do Malasarte (Moderna,1985), ou Sérgio Vianna, com Pedro Malasartes: Aventuras de um herói sem juízo (Resson, 1999) ou ainda Ana Maria Machado, com Histórias à Brasileira: Pedro Malasartes e outras, em dois volumes (Cia das Letrinhas, 2002 e 2004). E a todo o momento e em toda época exerce um poder de atração a diversas gerações de autores e leitores.

Malasartes é um matuto, um caipira de origem desprivilegiada, que conta com sua esperteza para alcançar seus objetivos. Um arquétipo do malandro brasileiro, que desafia as regras sociais, para obter benefícios próprios. Graças aos narradores de contos populares, os contadores de histórias, é que se difundiu o conto e garantiram sua continuidade.

Bem atípico de outros heróis da literatura tradicional e popular, Pedro é sempre colocado como um astucioso, cínico, inesgotável mente de fazer enganos aos seus adversários, sem escrúpulos e sem remorso, buscando o prazer imediato da situação para logo a seguir continuar se aventurando pelo mundo a torrar os tostões dos poderosos que enganou.

Pedro Malas Artes, como os portugueses o chamavam, vem fazendo arte em 12 contos, trazido em prosa e verso, de suas melhores peripécias pelo mundo. O carioca Augusto Pessoa apresenta histórias como Sopa de Pedra, A árvore que dava dinheiro, entre outras, ator, cenógrafo, figurinista, dramaturgo alia a sua experiência em adaptar contos populares ao teatro, a divertida aventura de representar esse personagem tão brasileiro. 
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artigo de Cadorno Teles, de Amontada/CE
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De como Malasartes entrou no céu – 1

Quando Malasartes morreu e chegou ao céu, disse a S. Pedro que queria entrar.

O santo porteiro respondeu:

- Estas louco! Pois ainda tens coragem de querer entrar no céu depois que tantas fizeste, lá pelo mundo?!

- Quero, S. Pedro pois o céu é dos arrependidos e tudo quanto acontece é por vontade de Deus.

- Mas o teu nome não está no livro dos justos e portanto, não entras.

- Mas então eu desejava falar com o Padre Eterno.

S. Pedro zangou-se só com aquela proposta. E disse:

- Não, para falares a Nosso Senhor, precisavas entrar no céu e quem entra no céu Dele não pode mais sair.

Malasartes se pôs a lamentar e pediu que o santo ao menos o deixasse espiar o céu só pela frestinha da porta para que tivesse uma ideia do que fosse o céu, e lamentasse o que havia perdido por causa das más artes.

S. Pedro já amolado, abriu uma fresta da porta e Pedro meteu por ela a cabeça. Mas de repente, gritou:

- Olha, S. Pedro, Nosso Senhor que vem falar comigo. Eu não te dizia?!

S. Pedro voltou-se com todo o respeito para dentro do céu, a fim de render as suas homenagens ao Padre Eterno que supunha ali vir.

E Pedro Malasartes então pulou para dentro do céu.

O santo viu que tinha sido enganado. Quis por o Malasartes para fora, mas ele contrariou:

- Agora é tarde! S. Pedro lembre-se que me disse que do céu uma vez entrando, ninguém pode mais sair. É a eternidade!

E S. Pedro não teve outro remédio senão deixar o Malasartes lá ficar.

Fonte:
Lindolfo Gomes. Contos populares brasileiros. São Paulo: Melhoramentos, 1965.
Artigo de Codorno Teles, no Recanto das Letras

Franklin Ras Lopes (Esboço: A força dos medos e desejos)


“Sou contraditório por que sou vasto”
Walt Whitman

A fria e afiada lâmina da razão corta o meu coração contraditório. O meu coração tem ímpetos naturais e contraditórios como ondas feitas de medo e desejo. A proximidade gera atritos, questionamentos sobre a minha liberdade e o afastamento natural vêm através de desavenças. Este afastamento gera o desejo de proximidade, de estreitar os laços e o ciclo continua.

O grande poeta e filósofo alemão Nietzsche dizia “cuidado ao tirar o pior de você, para que junto com ele você não tire também o seu melhor”. Sim meus caros leitores as rosas e o espinhos estão ligados. E a poesia nos diz “ O medo de espinho o desejo de flor, a tensão da roseira é a beleza em vigor, em meios a estas pedras a beleza chegou.” (Franklin Ras Lopes)… Se negarmos a tensão natural entre os opostos, perdemos a beleza, perdemos o melhor de nossas vidas.

As crianças quando brigam resolvem isto facilmente, não é necessário interferência Eles darão o dedinho e tudo continuará, os laços serão mais fortes, os irmãos serão mais amigos quando a maturidade chegar. O amor não pode ser imposto, ele surge da tensão entre os opostos, ele é um processo natural e por isto surge através da liberdade de aprendermos com os altos e baixos de nossas vidas. Negar, cortar um é negar, cortar o outro, e a mornidão gerada desta forma de agir, de nenhuma forma é a ponderação ou o caminho do meio dos sábios.

Li um relato há muito tempo do místico Hassid, que me esqueci o nome e não consegui encontrar referências em minha pesquisa. Mas vale a pena comentar a explicação que ele deu a respeito da luminosidade surgida de alguém que a todos consideravam um grande devasso, um pecador, ele disse - “Quanto maior o pecador maior o santo” E particularmente acredito que não existem mais santos sobre a terra, porquê as pessoas constroem casas em cima da areia, constroem na verdade uma personalidade, aquilo que não são.. Tentam e acreditam serem maiores do que são e não trabalham onde realmente estão. A rocha firme para fazer nossos alicerces, estão nos processos associados aos nossos medos e desejos, no medo de não sermos amado que gera ciúmes, invejas, rancores, raivas, geram julgamentos capitais que servem apenas para amparar o nosso ego, em meio a esta vastidão.

Somente um rebelde, somente um homem que foi ao deserto e enfrentou seus medos e desejos mais profundos podem proclamar e instigar a liberdade como fez Jesus na parábola do filho pródigo. Ele incentiva as pessoas a se aventurarem, a serem errantes, a experimentarem com seus próprios olhos, a vida. Não existe outra forma de poder andar sem ser caindo e se levantando, ficando forte para andar sem andador ou muletas. E quando um errante voltar à casa do pai, a sua origem, ele voltará completamente transformado, pois estará fazendo os laços porque quer, estará se prendendo por gosto. A meu ver, uma grande liberdade que surge em quem ama.

Obviamente existirão ciúmes por parte de quem ficou, daquele que seguiu os preceitos e nunca abandonou as regras da sociedade, pois a verdade da presença luminosa daquele que voltou trará uma festa, uma alegria que ele creditará ser o seu direito. Ele se sentirá injustiçado apenas por que se esqueceu que nós estamos aqui para aprender os caminhos da confiança, e o norte deste caminho é o amor.

Particularmente eu demorei muito a reconhecer o vasto pântano de homens que não sabem nem sair e nem entrar, demorei muito a olhar pra cima e ver a tabuleta que dizia - pântano do ser e do não ser. Nós não somos, nós estamos num fluxo contínuo feito de polaridades como o dia e a noite. A crença no pântano impede a aventura do vir a ser, impede o fluxo natural de aceitação da polaridade de nossas vidas, o reconhecimento que temos que estar atentos, sermos testemunha de nós mesmos e assim mudarmos com a delicadeza e a tendência que quer a amorosidade.

A liberdade para encontramos a nossa essência, não é a mesma coisa que libertinagem. O processo tem de ser consciente, tem de ser intenso, um verdadeiro ato corajoso ou como diria o poeta Fernando Pessoa “sabendo viver bem saberemos navegar com todos os ventos”. Com estas considerações acredito que quando Walt Whitman disse “sou contraditório por que sou vasto” de forma nenhum estava se eximindo ou fugindo, eu pude sentir nestas palavras a afirmação da sua própria vida, do seu próprio processo de sanidade e não da paranoia que corta e dilacera o nosso natural coração contraditório.

Assim, em verdade, eu vos digo, meus caros, o meu amor quebra taças, gera silêncio e é muito carinhoso, o meu amor é delicado e esta delicadeza é fonte de asperezas, o meu amor é atento e dedicado e isto é a fonte do meu desejo de liberdade, o meu amor não é meu e me deixa inseguro, o meu amor existe com dois espinhos para exigir a atenção do outro, o meu amor quer o voo e quer a liberdade de estar junto, porque queremos, o meu amor nem eu entendo, mas uma coisa eu sei, ele é frágil e precioso, pois sem medo e sem desejo não existe possibilidades de ir além.

Assim me ergo em oração: Deus afastai de mim os homens de moral, afastai de mim estes seres que pouco sabem da vida, mas querem encher meu coração de culpa, afastai de mim estes seres que massageiam os pés, mas logo chegam a agarrar o pescoço, Deus, afastai de mim estes imaturos papagaios, afastai de mim estes seres que porventura irão vir morder o meu dedo, ao invés de ver a lua clara na noite escura, para somente assim poder dizer com o meu próprio peito, eu sou um bem aventurado, eu sou um filho de Deus. 

Paz e prosperidade a todos.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Franklin Rodolfo Aguiar Silveira (Ras) Lopes é de Piracicaba/SP, possui graduação em Oceanologia pela Universidade Federal do Rio Grande (1998), mestrado em Aquicultura pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002) e doutorado em ciências pela Universidade de São Paulo (CENA-USP) (2008) .

Fontes:
Texto enviado pelo autor. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Machado de Assis (Três Tesouros Perdidos)


Uma tarde, eram quatro horas, o Sr. X... voltava à sua casa para jantar. O apetite que levava não o fez reparar em um cabriolé que estava parado à sua porta. Entrou, subiu a escada, penetra na sala e... dá com os olhos em um homem que passeava a largos passos como agitado por uma interna aflição.

Cumprimentou-o polidamente; mas o homem lançou-se sobre ele e com uma voz alterada, diz-lhe:

— Senhor, eu sou F..., marido da senhora Dona E...

— Estimo muito conhecê-lo, responde o Sr. X...; as não tenho a honra de conhecer a senhora Dona E...

— Não a conhece! Não a conhece! ... quer juntar a zombaria à infâmia?

— Senhor!...

E o Sr. X... deu um passo para ele. — Alto lá!

O Sr. F... , tirando do bolso uma pistola, continuou:

— Ou o senhor há de deixar esta corte, ou vai morrer como um cão! 

— Mas, senhor, disse o Sr. X., – a quem a eloquência do Sr. F... tinha produzido um certo efeito –  que motivo tem o senhor... 

— Que motivo! É boa! Pois não é um motivo andar o senhor fazendo a corte à minha mulher? 

— A corte à sua mulher! Não compreendo! 

— Não compreende! Oh! Não me faça perder a estribeira.

— Creio que se engana... 

— Enganar-me! É boa! ... Mas eu o vi... Sair duas vezes de minha casa...

— Sua casa!

— No Andaraí... por uma porta secreta... Vamos! ou...

— Mas, senhor, há de ser outro, que se pareça comigo...

— Não, não! É o senhor mesmo... como escapar-me este ar de tolo que ressalta de toda a sua cara? Vamos, ou deixa a cidade, ou morre... Escolha!

Era um dilema. O Sr. X... compreendeu que estava metido entre um cavalo e uma pistola. Pois toda a sua paixão era ir a Minas, escolheu o cavalo.

Surgiu, porém, uma objeção.

— Mas, senhor, disse ele, os meus recursos... 

— Os seus recursos! Ah! tudo previ... descanse... eu sou um marido previdente.

E tirando da algibeira da casaca uma linda carteira de couro da Rússia, diz-lhe:

— Aqui tem dois contos de réis para os gastos da viagem; vamos, parta! parta imediatamente. Para onde vai?

— Para Minas.

— Oh! a pátria do Tiradentes! Deus o leve a salvamento... Perdoo-lhe, mas não volte a esta corte... Boa viagem!

Dizendo isto, o Sr. F... desceu precipitadamente a escada, e entrou no cabriolé, que desapareceu em uma nuvem de poeira.

O Sr. X... ficou por alguns instantes pensativo. Não podia acreditar nos seus olhos e ouvidos; pensava sonhar. Um engano trazia-lhe dois contos de réis, e a realização de um dos seus mais caros sonhos. Jantou tranquilamente, e daí a uma hora partia para a terra de Gonzaga, deixando em sua casa apenas um moleque encarregado de instruir, pelo espaço de oito dias, aos seus amigos sobre o seu destino.

No dia seguinte, pelas onze horas da manhã, voltava o Sr. F. para a sua chácara de Andaraí, pois tinha passado a noite fora.

Entrou, penetrou na sala, e indo deixar o chapéu sobre uma mesa, viu ali o seguinte bilhete:

— “Meu caro esposo! Parto no paquete em companhia do teu amigo P... Vou para a Europa. Desculpa a má companhia, pois melhor não podia ser. — Tua E...”.

Desesperado, fora de si, o Sr. F... lança-se a um jornal que perto estava: o paquete tinha partido às 8 horas.

— Era P... que eu acreditava meu amigo... Ah! maldição! Ao menos não percamos os dois contos! Tornou a meter-se no cabriolé e dirigiu-se à casa do Sr. X..., subiu; apareceu o moleque. 

— Teu senhor?

— Partiu para Minas.

O Sr. F... desmaiou.

Quando deu acordo de si estava louco... louco varrido!

Hoje, quando alguém o visita, diz ele com um tom lastimoso:

— Perdi três tesouros a um tempo: uma mulher sem igual, um amigo a toda prova, e uma linda carteira cheia de encantadoras notas... que bem podiam aquecer-me as algibeiras!...

Neste último ponto, o doido tem razão, e parece ser um doido com juízo.

(Publicado no Periódico “A Marmota, 1858)
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Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), mais conhecido como Machado de Assis, foi um dos maiores escritores brasileiros, um gênio literário que revolucionou a literatura brasileira e deixou um legado imenso para as gerações futuras. Ele nasceu no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839, e faleceu na mesma cidade, em 29 de setembro de 1908. De família humilde, com um pai pintor e uma mãe portuguesa. Sua infância foi marcada por dificuldades e pela fragilidade de sua saúde, sendo gago e epilético. Apesar das dificuldades, ele demonstrou grande talento para a escrita desde cedo, publicando seu primeiro soneto, "Ela", aos 15 anos. Trabalhou em diversos cargos, incluindo revisor, tipógrafo e funcionário da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. No entanto, sua paixão pela literatura era inegável, e ele dedicou-se à escrita de romances, contos, crônicas, poesias e peças de teatro. É conhecido por suas obras de profunda análise psicológica, crítica social e escrita elegante e irônica. Algumas de suas obras mais famosas incluem: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881): Um dos seus romances mais emblemáticos, que marcou o início do Realismo no Brasil. Dom Casmurro (1899): Uma obra que explora a infidelidade e a obsessão de Bento em relação a sua esposa, Capitu. Esaú e Jacó (1904): Um romance que aborda a questão da raça e da identidade brasileira. Memorial de Aires (1908): Um romance que traz um tom mais melancólico e reflexivo, explorando a nostalgia e a solidão. Quincas Borba (1891): Um romance que critica a hipocrisia e a falsidade da sociedade. Helena (1876): Um romance que retrata a vida amorosa de uma mulher que se apaixona por um homem casado. A Mão e a Luva (1874): Uma peça teatral que aborda a questão do casamento arranjado. 
Machado de Assis foi o primeiro diretor da Academia Brasileira de Letras, instituição que ele ajudou a fundar. Sua obra foi traduzida para diversas línguas e é considerada uma das mais importantes da literatura brasileira e mundial. Ele é reverenciado como um dos maiores escritores brasileiros, um gênio literário que deixou um legado imenso e duradouro. Era um mestre na análise psicológica de seus personagens, explorando seus sentimentos, pensamentos e motivações. Sua obra fazia uma crítica mordaz à sociedade brasileira do século XIX, expondo as desigualdades sociais e as contradições da elite burguesa. Usava uma linguagem refinada, com um tom irônico e cheio de sutilezas, que o tornava um escritor único. Sua escrita era marcada por uma linguagem ambígua, que permitia diferentes interpretações e leituras da sua obra. Machado de Assis foi um dos primeiros a se aproximar do Realismo, mas com um toque próprio, criando um estilo único e original.

Fontes:
Machado de Assis. Páginas recolhidas. Livro publicado originalmente em 1899.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

Asas da Poesia * 47 *

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