22 junho 2025

Asas da Poesia * 43 *


Trova de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

Ao operar seu nariz
perdeu um olho, o Batista.
Vem outro louco e, então, diz
que o pagamento era... a vista!
= = = = = = = = =  

Poema de
MARIA SABINA DE ALBUQUERQUE
Barbacena/MG (1898 – 1991) Rio de Janeiro/RJ

Cartas de amor

Quando recebo as minhas cartas cada dia,
tenho um lindo momento de alegria! 
São notícias diversas
das criaturas amigas que, dispersas
por este mundo, aos quatro ventos,
recordam-se de mim com amizade
e, para suavizar a distância e a saudade,
vêm conversar comigo alguns momentos.
E alguém me disse um dia:
“Se tens tamanho encanto
em receber cartas amigas simplesmente,
tu que te alegras tanto,
certamente
enlouquecias de alegria,
estremecias de fervor
se estas cartas comuns fossem Cartas de Amor!

E então me recordei que no lindo romance
que foi o meu amor,
tive tudo o que estava ao meu alcance,
todo o esplendor,
a beleza, a ternura, o encanto, a ânsia,
mas não tive a Distância
nem as Cartas de Amor.

E hoje que a Eterna Ausência nos separa
e que a Distância que ninguém transpôs,
como uma Via Láctea imensa e clara
se estende entre nós dois,
como seria bom se as estrelas cadentes,
riscando a noite com seu fulgor,
pequeninos correios refulgentes,
trouxessem lá do céu minhas Cartas de Amor!
= = = = = = = = =  

Trova de
ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP

Uma foto amarelada
foi, no passado, importante.
Hoje, nem sequer notada,
é esquecida numa estante…
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Janela azul

Na pausa do olhar
A poesia, devagarzinha
Alisa e desliza
Na janela de madeira azul
De nós trabalhados pela
Passagem do tempo
São imóveis olhares...
Há uma rústica e desbotada
Interação entre os tons de azul
Que se mesclam à madeira-
Na pausa do olhar
A delicadeza
Das mãos, agora, invisíveis
Que tantas vezes
Entreabriram a janela...
= = = = = = 

Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

- Este bolso é meritório,
nunca viu nada roubado!
Perguntam lá do auditório:
- Terno novo, Deputado?
= = = = = = 

Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Onde só haja espuma sal e vento
(Sophia de Mello Breyner Andresen in "Mar novo")

Onde só haja espuma, sal e vento
Irei plantar o germe da Poesia
Deixando que ela cure essa anemia
Que mói lugar tão ermo e avarento.

Por efeito do lírico fermento
Que a pobreza do chão e ar vencia
O verso cometeu a ousadia
De florir onde não havia alento.

A frase tudo vence quando prima
Pela pujança forte dessa rima
Que é gerada na verve de um poeta.

E o poema faz-se arma de batalha
Que peleja no chão por onde espalha
O Belo que na alma se arquiteta.
= = = = = = = = = 

Triverso de
EDSON KENJI IURA
São Paulo/SP

Chuva de primavera —
O casal na correria
rindo sem parar.
= = = = = = 

Poema de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Rei destronado

O teu lugar vazio!... E esteve cheio,
Cheio de mocidade e de ternura!
Como brilhava a tua formosura!
Que luz divina te dourava o seio!

Quando a camisa tépida despias,
- Sob o reflexo do cabelo louro,
De pé, na alcova, ardias e fulgias
Como um ídolo de ouro.

Que fundo o fogo do primeiro beijo,
Que eu te arrancava ao lábio recendente!
Morria o meu desejo... outro desejo
Nascia mais ardente.

Domada a febre, lânguida, em meus braços
Dormias, sobre os linhos revolvidos,
Inda cheios dos últimos gemidos,
Inda quentes dos últimos abraços...

Tudo quanto eu pedira e ambicionara,
Tudo meus dedos e meus olhos calmos
Gozavam satisfeitos nos seis palmos
De tua carne saborosa e clara:

Reino perdido! glória dissipada
Tão loucamente! A alcova está deserta,
Mas inda com o teu cheiro perfumada,
Do teu fulgor coberta...
= = = = = = 

Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

No instante da despedida, 
arquivei no pensamento 
a tristeza da partida
e a dor do meu sofrimento.
= = = = = = 

Poema de
EFIGÊNIA COUTINHO
Balneário Camboriú/SC

Cupido

Sendo eu mulher, muito mulher,
confesso (e me penitencio, se é mister),
que não nasci para ser pobre!
Está no meu feitio desejar que a existência
se desdobre na magnificência, jamais em privações.
.
Tenho gostos, requintes de caprichos,
ambições, e, sem razão, não nego aos meus
sentidos, os gozos com que a Vida me agracia,
enaltecendo a dor apenas em teoria!

Porem, nada possuo em realidade!
Nem fausto, nem poder...
Porque, para seguir um velho ditado,
do Grande Livro, Santo e Consagrado,
o meu despotismo deve ser restrito,
e pertence, inda assim, ao meu Amado!

Em meio ao destino que me impõe,
entretanto, eu duvido, haver outra
mulher a quem Cupido generoso ofertasse
um lindo trono, com mais magnificência do que
o meu, onde governo só, como a depositaria
de um tesouro de Amor, que tocou o apogeu!

E, por muito que conte e reconte,
meu Capital de multimilionária,
eu nunca chego ao fim, porquanto de
uma fonte fecunda e inexorável se origina.

Cresce dentro de mim esta riqueza ilimitada,
sólida e genuína, que me empresta atitudes de
Princesa! E, entre as Fortunas de que tomo
a nota, a minha é que mais vale e mais ressalta,
pois dos meus bens a renda não se esgota!
= = = = = = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Peixinho mais mascarado 
do que aquele eu nunca vi:
- só belisca anzol marcado, 
"minhoca com... pedigre"…
= = = = = = 

Soneto de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Os parceiros

Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.

Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste...
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.

Insiste em quê? Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro... eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se

numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce...
Como também disfarce é a minha vida!
= = = = = = 

Trova de
CAMPOS SALES
Lucélia/SP, 1940 – 2017, São Paulo/SP

Nosso amor foi tão verdade,
que mesmo tendo acabado,
há uma ponte de saudade,
ligando o nosso passado!
= = = = = = 

Hino de
INAJÁ/PE

Coroada esta bela cidade
Por teus filhos criados por ti
és amada e adorada por todos
esta terra de esperanças mil.

Inajá Palmeiras Pequenas
Na ribeira do Rio Moxotó
O teu nome, gravado na história
se enfeita ao clarão do luar.

És o coração deste mapa
És a estrela D'alva no céu
Esse torrão que irradia
nessa pátria imortal de harmonia.

Inajá Palmeiras Pequenas
Na ribeira do Rio Moxotó
O teu nome, gravado na história
se enfeita ao clarão do luar.

Os Raios do Sol que iluminam
os campos verdes desta terra
entre todas és a mais encantada
no Brasil Luz que brilha ao nascer.

Inajá Palmeiras Pequenas
Na ribeira do Rio Moxotó
O teu nome, gravado na história
se enfeita ao clarão do luar.

Dois que data que marca
A vitória de uma liberdade
Auriverde nas margens do rio
Nova luz ao nascer do amanhã.

Inajá Palmeiras Pequenas
Na ribeira do Rio Moxotó
O teu nome, gravado na história
se enfeita ao clarão do luar.
= = = = = = = = =  

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

A vida é um túnel estreito
que à eternidade conduz.
- Só o amor nos dá o direito
ao desembarque na Luz.
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

A passagem

Quando já se passaram muitos anos,
Deus vai nos preparando este caminho.
Não somente as tristezas, desenganos,
Mas colocando a vida em desalinho.

Pouco a pouco as ações e atos humanos,
Vai tirando de nós, também carinho.
Uma febril tristeza e desenganos
Transforma nossa vida em torvelinho.

Já não faz falta mais nossa presença,
Somos transtornos sempre a qualquer hora,
É melhor a partida que a doença.

Mas, Deus que é nosso pai muito bondoso,
Vai nos mostrando aos poucos vida a fora,
Uma nova visão do eterno gozo.
= = = = = = = = =  = = = = 

Trova de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

Abro a porta e a janela 
do meu coração em festa 
quando a manhã tagarela 
põe voz na densa floresta.
= = = = = = = = =

Spina de
VERA SALVIANO
Raul Soares/MG

Abandono

Sentindo agora, abandonada,
retira-se deveras entristecida.
Coisas da vida!

Sem saber o que pensar,
lá foi ela sem entender,
mais que triste, magoada, ferida!
As horas tombam, mortas agora.
Mais uma vez solitária, desiludida.
= = = = = = = = =  

Nicanor Filadelfo Pereira (Morte de uma árvore)


 A árvore da serra
(Augusto dos Anjos)

— As árvores, meu filho, não têm alma!
E esta árvore me serve de empecilho…
É preciso cortá-la, pois, meu filho,
Para que eu tenha uma velhice calma!

— Meu pai, por que sua ira não se acalma?!
Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!
Deus pôs almas nos cedros… no junquilho…
Esta árvore, meu pai, possui minh’alma! …

— Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa:
«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!»
E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,
O moço triste se abraçou com o tronco
E nunca mais se levantou da terra!

Ao aproximar-se o dia da árvore (21 de setembro), tive a especial oportunidade de deparar-me com este soneto do grande poeta Augusto dos Anjos, que viveu entre o final do século XIX e início do século passado. Este feliz encontro levou-me a uma certa elucubração, conduzindo-me a reflexões e saudosismos que, de certo modo, alegram e, simultaneamente, entristecem o meu espírito.

Era, ainda, menino, quando nos mudamos para um sítio que meu pai havia, recentemente, adquirido. No terreiro, defronte a casa, bem próximo, lá estava, para gáudio dos meus olhos, um portentoso, soberano, mas, solitário eucalipto. Lembro-me que já se manifestava em mim o espírito ecologista. Amava vê-lo na sua exuberância, deliciava-me com o perfume de suas milhares de pequeninas flores brancas, distraía-me, ao brincar, com os pequenos “piões” de suas sementes, permanentemente lançadas ao chão. Esta gigantesca árvore fazia parte de minha alma!

Certo dia, não muito depois de nossa mudança, meu pai reuniu os empregados do sítio e determinou a derrubada do “meu amigo”. É certo que justificou, alegando que o “meu amigo” oferecia inquestionável perigo à nossa casa, especialmente à nossa vida.— Confesso — chorei. E, agora, quando leio os versos de Augusto, dizendo ao pai: — “Não mate a árvore, pai, para que eu viva”/ Esta árvore, pai, possui a minha alma.”— observo um extraordinário sincretismo na maneira de como pudemos olhar e sentir, cada qual em sua época, as benesses e a empatia que nos proporciona tão maravilhoso vegetal.

É claro que, Augusto, poeta simbolista, tinha, lá, seus propósitos, dando, aos críticos literários, azo a interpretações diversas. Na última estrofe de seu poema, diz ele: —“O moço triste se abraçou com o tronco / E nunca mais se levantou da terra!” — Graças a Deus, não foi este o
meu caso, aqui, estou a escrever esta crônica!

Há alguns anos, morando já em Sorocaba, nas minhas viagens matutinas pelo Cometa (ônibus rodoviário), com destino ao meu trabalho na Grande São Paulo, tive a alegria de ver, com estes olhos que amam a Natureza, meninos e meninas plantando pequenas mudas que, hoje, são árvores, às margens do Rio Sorocaba. E, a cada vez que, por ali, passo, invade-me a satisfação de testemunhar a grandiloquência daquela atividade escolar. Parabéns, Sorocaba, por tão feliz iniciativa!

Mas, nem tudo são flores, nem tudo são árvores. Há, também, as moto- serras; há grandes interesses econômico-financeiros; há interesses escusos; há insensibilidade governamental; há desobediência civil no descumprimento das leis; há subornos de funcionários públicos; há corrupção.

Ao abrir jornais, assistir programas jornalísticos nas Tvs, sinto ressurgir em minha alma a mesma tristeza que tive, quando menino, no sítio, durante episódio do eucalipto. Porém, sem qualquer justificativa. Devastou-se a Serra do Mar, devastou-se toda a orla litorânea do Brasil, devasta-se, agora, numa impressionante velocidade a Amazônia. Secam-se os rios, consequência da destruição das matas ciliares, em especial, do lendário São Francisco. A continuar nesse estado de coisas, transformar-se-á a região Amazônica num imenso e desagradável deserto. Extinguir-se-á a fauna, a piscicultura, alterar-se-á o nível pluviométrico. Em fim, extinguir-se-á a vida.

Brasileiros, não quero mais chorar a morte de uma árvore!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Nicanor Filadelfo Pereira, poeta e cronista, nasceu em São Paulo em 1939. Foi correspondente dos jornais regionais: O Imparcial e O Suburbano da cidade de Itapevi/SP. Foi vereador na cidade de Jandira/SP, onde residia, onde exerceu o primeiro mandato de Presidente da Câmara. Sempre teve interesse especial pela Literatura, dedicando-se à escrita em prosa e verso. Em 1981 transferiu-se com sua família para Sorocaba, onde reside, mantendo, no entanto, seus vínculos com a cidade de Jandira, em função de suas atividades comerciais. Em Sorocaba faz parte das diretoria da CERES - Casa do Escritor da Região de Sorocaba, exercendo o cargo de Diretor Executivo, membro do Grupo Coesão Poética de Sorocaba e colunista dos sites:  www.sorocult.com  e  www.joaquimevonio.com

Fontes:
http://www.sorocult.com/
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Artur da Távola (O Pródigo do Jardim)


Um bom jardineiro morre anônimo porém não morre sozinho. Com ele se vão zínias, calêndulas, miosótis, margaridas, gramados, pés de caqui, de manga e abacate, tumbérgias, orquídeas, trevos de quatro folhas, agapantos, rosas, rabos de gato, petúnias, marias sem-vergonha, hortaliças, camarões magoados, capuchinhas, ah quantas flores morrem com o jardineiro.
Não mais sua boa mão, o saber plantar e esperar, tempos certos, esta dá de galho, aquela de estaquia, esta outra só semeando.

Seu Fernando Mayworm era magro, alto, origem alemã, tinha mais de setenta e oito anos. Seco, altivo e resistente como um bambu. Chegava cedinho em seu fusca velho que ainda dirigia. Subia, descia, abaixava-se, levantava, ordenava aos auxiliares; às onze e meia nem um copo d’água pedia. Recolhia-se ao fusca, abria a marmita quentinha e a garrafa térmica. Educado. Estirpe. Homem discreto e educado oriundo de alemães antigos de Petrópolis de quem herdara a seriedade e a disciplina.

“Esta não vai pegar aí!”, sentenciava. E a planta obedecia. “Vamos ver se salvamos esta”. O caule se recuperava. Se pedíamos alguma bobagem ele fazia a nossa vontade. E onde a gente não palpitava ele operava na moita e plantava algo mais belo.

Quantas vezes me comovi, desejando para meu envelhecer a paz daquele homem calado e severo, que cumpria seu dever com as mãos, honrado, sereno, já sem ilusões mas silencioso enamorado das reações da terra, a felicidade por ver algo brotar, o riso raro na contemplação da flor que “vingou” graças a ele! Era a paz de quem não cobiça, vivia para criar e elegera a flor e o fruto como objetos sagrados do seu existir.

Sem quase nada dele saber. Sempre recatado. Sem reclamar (salvo dos cachorros que fazem pipi em hortas baixas), sem proclamar. Sem nada contar de sua vida, qual seu time de futebol ou preferência política, aprendi a gostar à distância daquele homem idoso, cuja vida foi prodigalizar mudas e sementes e mudo morreu a trabalhar, na beleza serena e serrana de Petrópolis.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Artur da Távola, pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros nasceu no Rio de Janeiro em 1936 falecendo nesta cidade em 2008. Foi professor, advogado, escritor e político brasileiro um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Pelo Rio de Janeiro, foi senador e deputado federal e estadual, ambos por dois mandatos. Pela capital homônima, foi secretário da Cultura.  Cassado pela ditadura militar, viveu na Bolívia e no Chile entre 1964 e 1968. Como jornalista, atuou como redator e editor em diversas revistas, notavelmente na Bloch Editores e foi colunista de televisão nos jornais Última Hora, O Globo e O Dia, sendo também diretor da Rádio Roquette-Pinto. Publicou diversos livros de contos e crônicas. Teve livros com prefácios escritos por diversos famosos, tais como: Fernanda Montenegro, Pedro Bial, Carlos Vereza e Beth Faria. Apresentava o programa Quem tem medo de música clássica?, na TV Senado onde demonstrava sua profunda paixão e conhecimento por música clássica e erudita. No encerramento de cada programa, ele marcou seus telespectadores com uma de suas mais célebres frases:: “Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão.” Em 1995, como senador, Távola foi admitido já no grau de Grã-Cruz à Ordem do Infante D. Henrique, de Portugal. No ano seguinte, foi admitido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso à Ordem do Mérito Militar no grau de Comendador especial. Ordem do Rio Branco Grau de Oficial Brasília, em 1994. Ordem de Bernardo O'Higgins Grau de Gran Cruz Santiago do Chile, em 1995. Ordem do Mérito Naval Grau de Grande Oficial Brasília, em 1995. Em 16 de junho de 2007 o antigo Palacete Garibaldi, na Tijuca, passou a acolher o Centro Municipal de Referência da Música Carioca Artur da Távola.

Fontes:
Enviado pelo autor. Disponível em http://www.arturdatavola.com/ (site desativado)
Biografia = https://pt.wikipedia.org/wiki/Artur_da_Távola 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Wagner Ferreira (A Alma do Carnaval)


O carnaval estava para nascer, e a alma de Ana Maria queria fugir.

Parecia querer evadir-se de um mundo vivido no avesso.

Ela nunca se conformou em abandonar o Cenário carnavalesco depois que se casou. Nunca mesmo!

O marido lhe proibiu de desfilar na passarela, a alegria da sua juventude precocemente reprimida.

Desde então ela se limitou a ser uma dona de casa exemplar, alimentando o esposo, e guiando seus três filhos.

Odiava aquela monotonia perfeccionista temperada pela estabilidade inabalável da sua família.
Mas agora, neste carnaval, queria voltar a desfilar, principalmente para sentir sua liberdade ressurgir.

Os filhos já estavam crescidos e o marido precisava ser enfrentado.

Resolveu! Desfilaria mesmo contra a vontade da família, e falaria na hora do almoço quando todos estariam reunidos na mesa. 

“Tem que ser agora ou nunca.” Pensou.

Sequer se preocupou em servir a refeição de prato em prato como ela sempre fazia.

“Hoje eu não existo.” Pensou convicta. “Até as empregadas possuem seus dias de folga!”
E num único disparo atirou aquele rancor acumulado pelos anos:

– Vou sair no bloco das frenéticas andorinhas…

Como se não fosse ela quem estivesse ali, talvez uma irmã gêmea, ou um clone…

O marido e os três filhos se assustaram.

Como uma mulher exemplar, que não saia de casa, não fazia fofocas, sempre disposta e prestativa se interessaria por carnaval?

Ninguém acreditou. “Deve ser piada, ou crise da meia idade”, pensou o marido.

Ele se lembrou da sua irmã, que na menopausa pirou. Quis ser atriz de teatro, e abandonou tudo.

Todos os olhares se revelaram como censura e um jurado se constituiu.

O esposo na cabeceira tomou a palavra batendo o cabo da faca na mesa como se fosse o martelo de um magistrado.

– Não admitirei esta loucura de forma alguma, e não se fala mais nisso.

Mas ela não se intimidou:
.
– É isso mesmo, cheguei à conclusão que devo me libertar um pouco desta escravidão, desta rotina, esquecida do mundo. – Pra mim chega! – Acho que até Deus esqueceu que eu existo. – Eu gosto de carnaval e dai? – Quero me divertir também.  -Tenho meus direitos…

– Eu sabia que ficar assistindo aquelas novelas ia dar nisso. Contestou o marido.

– Eu nunca te tranquei em casa, taí os meninos de testemunha. 

– Que é isso mulher? Depois de velha pirou!

– Velha é sua mãe. – Retrucou.

– Não ponha minha mãe no meio, ela sim que era mulher exemplar, não confundia liberdade com libertinagem.

– Vamos parar com esta briga besta e me passe a salada. – Protestou o filho mais velho.

– E seu coração? – Perguntou o filho do meio.

– Não coloquem o meu coração como pretexto, ele está funcionando muito bem, e nada como fazer aquilo que gosto para ganhar vitalidade.

Todos tinham lhe condenado, com exceção da filha caçula.

– Deixa a mamãe, pô ! – Ela precisa se divertir um pouco.

– É nisso que dá tratar a mulher com carinho e não deixar faltar nada em casa…

– Antigamente isso era motivo de uma surra, é isso que você merece…

– Ah é assim, seu descarado, estou cansada de te fazer carinho quando você chega caindo de bêbado…

– Bêbado é seu pai, aquele pinguço, aliás, eu não sei onde estava com a cabeça quando tirei você daquele cortiço imundo.

– Tá vendo, filha o machista que é seu pai?…

– Sou machista mesmo, e dai? – Continuou gritando.

– Sabe mãe, eu acho que a senhora tem que se divertir mesmo, mas pera ai, né? Desfilar em bloco de rua é demais, se quiser te levo no clube, pelo menos meus colegas não vão ficar tirando sarro de mim. – Acrescentou o filho mais velho.

– Tá vendo? -Depois eu é que sou machista.

E o marido se aproveitando da situação, pediu que quem estivesse de acordo levantasse a mão.

Só a caçula levantou. 

– Vocês são todos quadrados acrescentou.

– Tá bem, mulher, se você quiser desfilar pode ir, nem tô ligando mais. Lavo minhas mãos como Calígula…

– E quer saber de uma coisa, vou aproveitar que é carnaval e comprar uma fantasia de palhaço, pois é isso que sou nesta casa.

– Não é Calígula, pai, quem lavou as mãos foi Pilatos… – Corrigiu o primogênito.

Ana Maria não se abateu com a opinião da família, aquilo era um quartel, um verdadeiro regime comunista.

“Abaixo Fidel Castro, e viva a sociedade capitalista”. Pensou.

Precisava mudar, agir, ser dona do seu nariz, ressuscitar aquela alma carnavalesca, encher-se de glória.

Abortaria o carnaval da sua vida? – Não! Murmurou.

Imaginou-se no meio da avenida, até que explodiu o carnaval…

Os brasileiros inflavam-se nesta bolha de ilusão, que estourava nas migalhas da quarta feira de cinzas…

Mas que lhe importava? A fantasia era sua liberdade, que mascarava sua fuga, mas alimentava o seu sonho de ser admirada por todos.

“Melhor isso do que uma traição”. Lampejou em pensamento.

As pessoas passeavam suas loucuras e o mundo para Ana Maria era a avenida, a vida era o ritmo do samba, e a cada pique e repique da batucada, era a vida que vingava em suas veias.

A máscara era sua identidade, cobrindo a amargura, que ela descontava em cada passo.

A lua já amadurecia quando ela surgiu no fim da avenida.

“Sobrepujava o bloco” “Asas do ”Falcão”. Depois o das” “Panteras”, e logo em seguida o das “Frenéticas Andorinhas,” que rompeu a passarela.

Aninha primava entre confetes e serpentinas, mesclados com os aplausos eufóricos da plateia delirante. Logo estaria diante da comissão de jurados.

“Falariam de mim no alto falante”? – Pensou.

Gastava os dentes de tanta emoção. Estava absoluta como porta estandarte.

Ofuscava, luzia ,brilhava, uma verdadeira rainha de carnaval.

O povo retribuía em aplausos. Sua vibração procrastinava a eletricidade da sua alma. Seu coração batia, batia , batia… Até que parou.

Sua garganta ficou sufocada por aquela emoção.

Ficou caída no asfalto, que de longe era colorido, mas de perto não escondia sua função de consolador de vítimas. Diante daquela mulher caída na avenida, houve um minuto de silêncio.

Ogum, Xangô, Iemanjá foram chamados para salvar a situação.

Ana se despediu desta vida e começou a chover.

Apagava a estrela, que imediatamente foi colocada numa maca onde algumas serpentinas pousavam lentamente, e partiu num carro que deu o socorro conveniente.

Ela esteve soberba. Foi, sem nunca ter sido.

Alguns minutos depois o samba voltou a tocar com mais força do que antes, e o povo pôs-se a cantar e a rebolar.

O pacto do carnaval havia se consolidado.

Para Ana Maria restou a soberba de conhecer sua alma.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Wagner Ferreira, sorocabano, escreve poesias metafísicas e crônicas do cotidiano. Iniciou sua carreira nas letras com um romance místico: “O Caçador de Milagres” - uma história de autoconhecimento, que traz sabedorias milenares para a realidade brasileira, livro que foi distribuído para todo o Brasil pela Livraria Cultura. É coautor na “Antologia Roda Mundo 2008” e nas “3ª e 4ª Coletâneas do Espaço Literário do Sorocult” (2008/2009). Membro do CLIC Art & Letras de Sorocaba e região (do Sorocult). Escreve em alguns sites.

Fontes:
http://www.sorocult.com/el/view.php-cod=590.htm 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Benedito Sampaio (O dia das mães)


Na sala de jantar. Ricardo lê. Na cadeira de balanço, Isaura tem entre os dedos um chocalho de celulóide, brinquedo barulhento do filhinho de Berta, a cozinheira do casal sem filhos. Berta vai por o almoço. A alvura da toalha já se estendeu, e está pronta para receber os pratos e os talheres. Lê Ricardo o jornal do dia. Ao voltar a página, surge aos olhos de Isaura em caracteres grandes este dístico: Dia das Mães!

Entristeceu-se a moça, e a manhã clara e alegre que ela bebia no campo da janela parece que também se entristeceu... E disse:

– "Dia das Mães, Ricardo! É hoje? Pois não é? Olhe, quando for à cidade, não se esqueça de comprar um presentinho para Berta, ouviu?"

– A criada, que estava já a dispor os talheres, estacou de repente:

– "Para mim, minha senhora? Mas eu sou mãe pobre..."

Continuou Isaura: "E um presentinho para o filhinho de Berta, para o Luisinho, mas que vá bem com os seus dois anos, ouviu?"

– "Ah, minha senhora, o Luisinho não precisa..."

E acabou de arranjar às pressas o resto dos talheres, para ir esconder na cozinha alguma coisa que já lhe estava a cair dos olhos... A patroazinha não desconfiou. Aquela pressa repentina também se explicava: correu para a cozinha, porque às vezes é preciso vigiar que o fogo não vá queimar o feijão...

Isaura deixou cair o chocalho inútil para ela e ficou a balbuciar: o Dia das Mães, o Dia das Mães... E mordeu os lábios, tentando fazer deste inocente movimento de boca um derivativo da tristeza que a queria sufocar. Tinha um nó na garganta, sentia uma dor no coração. O Dia das Mães!

Ricardo abaixou disfarçadamente o jornal, para observar o rosto da esposa, cuja voz balbuciada fazia adivinhar lágrimas escondidas. E os olhos de Isaura saíam pela janela, em busca do céu. Lá fora estava o céu azul. No céu, uma nuvem grande, muito branca, ia andando vagarosa, parece que ia muito cheia de si, muito vaidosa, muito feliz, e uma nuvenzinha muito branca e muito menina seguia atrás, nos seus passos inocentes de criança no céu... Lá se iam, lá se iam as duas, a nuvem mãe e a nuvem filha. O Dia das Mães! E Isaura chorou. Ricardo, mudo, veio para ela, beijou-a sem palavras, e foi ao jardim. Iria chorar também ou foi pedir sorrisos às rosas?

Isaura, ajuntando as pontas dos dedos, atirou-lhe três beijos cheios de lágrimas! E voltou de novo os olhos para o céu, para a nuvem mãe; depois desceu do azul do céu os olhos azuis, e fitou-os num medalhão que tinha diante de si, na parede cor de palha. Ali estava uma joia de Rafael: 'La Madonna della Seggiola!' A cabeça formosa da Madonna tocava, muito de leve, com divina suavidade, a cabecinha adorável do Menino; castidade e inocência ali se uniam num abraço celestial de amor! Isaura, com os olhos no Divino Amor, petrificou-se em êxtase de santa. E depois, como que cansada da amorosa contemplação, cerrou os olhos, tomada de sono e de sonho. E viu! E viu com os olhos fechados! E viu um bercinho de nuvem ao pé de si. E eis que o Menino se arranca da pintura, desce da parede, deita-se no bercinho de nuvem, e se põe a sorrir. No cantinho da boca do Menino dormido brilhava uma pérola: era uma gota de leite... e de leite de Isaura! E Isaura, de olhos fechados, no sonho, e no sono, sorriu... e acordou! E eis que foge o Menino para o medalhão, e o berço de nuvem se desfez. Mas Isaura continuou a sorrir. Foi mãe por um instante, mas um instante infinito, que não acaba mais!

Isaura, minha terna Isaura, continua a rir pela vida afora, porque tua maternidade se fez real nas ardências de teu desejo cheio de castidade e de amor! Tu, no teu desejo de ser mãe, és mãe mil vezes mais do que todas as mães que limitam o número de filhos para multiplicar os dias de diversão e as noites de festas frívolas! Isaura, amorosa Isaura, a tinta com que escrevo minhas crônicas é preta como o carvão, mas tu fizeste agora um milagre, porque me está caindo do bico da pena uma catarata de rosas numa sinfonia de cores! Apanha-as, minha Isaura, e põe-nas na tua cabeça, que hoje é o Dia das Mães! Ricardo! Ó Ricardo! Olá, Ricardo! Vem do jardim, vem depressa e traze rosas, traze o jardim para esta sala! E corre à cidade! E compra o presente do Luisinho, e traze o presente para Berta! Mas não te esqueças de tua Isaura. Traze-lhe uma boneca bonita, dessas que sabem dizer mamãe. Ouvindo-a, Isaura se lembrará do sonho, do divino sonho, e o Menino da Madonna descerá da parede, virá dormir no bercinho de nuvem, e dizer-lhe sorrindo: Sorria, Isaura, sorria, que hoje é o Dia das Mães!
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Benedito Sampaio nasceu em Igaratá/SP, em 1883. Estudou em Jacareí, e em São Paulo, no seminário episcopal. Foi professor, poeta e prosador. Em 1903, foi para Santa Rita do Passo Quatro, onde iniciou sua carreira de professor lecionando Latim, Francês e Português. Nesta mesma cidade casou-se com Noêmia Ribeiro.  Em 1910, foi para Bebedouro onde montou o Colégio Sampaio de cursos primários e secundários. Lecionou no Ginásio Estadual de Ribeirão Preto, quando escreveu e publicou seu primeiro livro de versos. Seu primeiro livro foi publicado em Campinas pela Casa Mascote e foi intitulado “O Hélicon”. Era um livro de versos. Em 1925 foi para Campinas e tornou-se docente de Língua portuguesa no colégio Culto à Ciência. Escreveu a maioria de seus livros nesta cidade, dentre eles: Taça vazia, Questões da língua, Falar certo, Polêmica alegre de Gramática, O Cosmorama da cidade (obra premiada pela Academia Brasileira de Letras), Leituras fáceis, Seleta de língua portuguesa, Tangolomango, Canto a três vozes. Em 1950, aposentou-se como professor de Língua portuguesa. Ele vivia em Pirassununga onde publicou em 1958 um volume de crônicas e fantasias denominado “De Minha Chácara”. Mesmo depois de aposentado e residindo em Campinas, novamente foi docente da Universidade Católica de Campinas, na Faculdade de Filosofia. Benedito Sampaio faleceu em 1965, em Campinas. Em 1975, foi criada pela Secretaria de Educação a Escola Estadual Professor Benedito Sampaio, em virtude da extinção do curso de primeiro grau do colégio Culto à Ciência.

Fontes:
Enviado por Arthur Thomaz, disponível no livro de Benedito Sampaio. “De Minha Chácara", publicado em 1958.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Asas da Poesia * 46 *

Poema de LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE Pinhalão/PR Tuas Mãos "Tua mão esquerda está sob minha cabeça, e tua direita abraça-me " (Ct.8....