22 junho 2025

Artur da Távola (O Pródigo do Jardim)


Um bom jardineiro morre anônimo porém não morre sozinho. Com ele se vão zínias, calêndulas, miosótis, margaridas, gramados, pés de caqui, de manga e abacate, tumbérgias, orquídeas, trevos de quatro folhas, agapantos, rosas, rabos de gato, petúnias, marias sem-vergonha, hortaliças, camarões magoados, capuchinhas, ah quantas flores morrem com o jardineiro.
Não mais sua boa mão, o saber plantar e esperar, tempos certos, esta dá de galho, aquela de estaquia, esta outra só semeando.

Seu Fernando Mayworm era magro, alto, origem alemã, tinha mais de setenta e oito anos. Seco, altivo e resistente como um bambu. Chegava cedinho em seu fusca velho que ainda dirigia. Subia, descia, abaixava-se, levantava, ordenava aos auxiliares; às onze e meia nem um copo d’água pedia. Recolhia-se ao fusca, abria a marmita quentinha e a garrafa térmica. Educado. Estirpe. Homem discreto e educado oriundo de alemães antigos de Petrópolis de quem herdara a seriedade e a disciplina.

“Esta não vai pegar aí!”, sentenciava. E a planta obedecia. “Vamos ver se salvamos esta”. O caule se recuperava. Se pedíamos alguma bobagem ele fazia a nossa vontade. E onde a gente não palpitava ele operava na moita e plantava algo mais belo.

Quantas vezes me comovi, desejando para meu envelhecer a paz daquele homem calado e severo, que cumpria seu dever com as mãos, honrado, sereno, já sem ilusões mas silencioso enamorado das reações da terra, a felicidade por ver algo brotar, o riso raro na contemplação da flor que “vingou” graças a ele! Era a paz de quem não cobiça, vivia para criar e elegera a flor e o fruto como objetos sagrados do seu existir.

Sem quase nada dele saber. Sempre recatado. Sem reclamar (salvo dos cachorros que fazem pipi em hortas baixas), sem proclamar. Sem nada contar de sua vida, qual seu time de futebol ou preferência política, aprendi a gostar à distância daquele homem idoso, cuja vida foi prodigalizar mudas e sementes e mudo morreu a trabalhar, na beleza serena e serrana de Petrópolis.
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Artur da Távola, pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros nasceu no Rio de Janeiro em 1936 falecendo nesta cidade em 2008. Foi professor, advogado, escritor e político brasileiro um dos fundadores do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). Pelo Rio de Janeiro, foi senador e deputado federal e estadual, ambos por dois mandatos. Pela capital homônima, foi secretário da Cultura.  Cassado pela ditadura militar, viveu na Bolívia e no Chile entre 1964 e 1968. Como jornalista, atuou como redator e editor em diversas revistas, notavelmente na Bloch Editores e foi colunista de televisão nos jornais Última Hora, O Globo e O Dia, sendo também diretor da Rádio Roquette-Pinto. Publicou diversos livros de contos e crônicas. Teve livros com prefácios escritos por diversos famosos, tais como: Fernanda Montenegro, Pedro Bial, Carlos Vereza e Beth Faria. Apresentava o programa Quem tem medo de música clássica?, na TV Senado onde demonstrava sua profunda paixão e conhecimento por música clássica e erudita. No encerramento de cada programa, ele marcou seus telespectadores com uma de suas mais célebres frases:: “Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão.” Em 1995, como senador, Távola foi admitido já no grau de Grã-Cruz à Ordem do Infante D. Henrique, de Portugal. No ano seguinte, foi admitido pelo presidente Fernando Henrique Cardoso à Ordem do Mérito Militar no grau de Comendador especial. Ordem do Rio Branco Grau de Oficial Brasília, em 1994. Ordem de Bernardo O'Higgins Grau de Gran Cruz Santiago do Chile, em 1995. Ordem do Mérito Naval Grau de Grande Oficial Brasília, em 1995. Em 16 de junho de 2007 o antigo Palacete Garibaldi, na Tijuca, passou a acolher o Centro Municipal de Referência da Música Carioca Artur da Távola.

Fontes:
Enviado pelo autor. Disponível em http://www.arturdatavola.com/ (site desativado)
Biografia = https://pt.wikipedia.org/wiki/Artur_da_Távola 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

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