23 maio 2025

Asas da Poesia * 31 *


Soneto de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Naufrágio

Neste oceano da vida, tumultuoso,
lancei, cheio de sonhos, um barquinho.
E ele flutuou e deslizou airoso,
vencendo os empecilhos do caminho!

Nos momentos difíceis, sem repouso,
depressa ia ampara-lo o meu carinho
e ansiosa eu via, com secreto gozo,
meus sonhos desafiando o torvelinho!

E chegaste! E de pedra era tua alma!
De papel, o barquinho... e tenso e mudo,
ficaste, quando o mar perdeu a calma!

Contra o recife, o barco soçobrou!
E os sonhos, sem guarida, ao fim de tudo,
um a um, impiedoso, o mar levou!
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Você diz que me quer bem
mas ontem não riu pra mim,
deixe desse fingimento,
quem ama não faz assim.
= = = = = = = = =  

Soneto de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Soneto de Criação

Deus te fez numa forma pequenina
De uma argila bem doce e bem morena
Deu-te uns olhos minúsculos de china
Que parecem ter sempre um olhar de pena.

Banhou-te o corpo numa fonte fina
Entre os rubores de uma aurora amena
E por criar-te assim, leve e pequena
Soprou-te uma alma calma, cálida e divina.

Tão formosa te fez, tão soberana
Que dar-te aos anjos por irmã queria
Mas ao plasmar-te a carne predileta

Deus, comovido, te criara humana
E para tua justa moradia
Atirou-te nos braços do poeta.
= = = = = = = = =  

Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

Ester

Vem! no teu peito cálido e brilhante
O nardo oriental melhor transpira!
Enrola-te na longa cachemira,
Como as judias moles do Levante,

Alva a clâmide aos ventos - roçagante...
Túmido o lábio, onde o saltério gira...
Ó musa de Israel! pega da lira...
Canta os martírios de teu povo errante!

Mas não... brisa da pátria além revoa,
E ao delamber-lhe o braço de alabastro,
Falou-lhe de partir... e parte... e voa. . .

Qual nas algas marinhas desce um astro...
Linda Ester! teu perfil se esvai... s'escoa...
Só me resta um perfume... um canto... um rastro...
= = = = = = = = =  

Soneto de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937

Incontentado

Quando em teus braços, meu amor, te beijo,
se me torno, de súbito, tristonho,
é porque às vezes, com temor, prevejo
que esta alegria pode ser um sonho.

Olho os meus olhos nos teus olhos... Ponho,
trêmulo, as mãos nas tuas mãos... E vejo
que és tu mesma, que és tu! E ainda suponho
Ser enganado pelo meu desejo.

Quanto mais, desvairado de ansiedade,
do teu corpo, meu corpo se avizinha,
mais de ti, junto a ti, sinto saudade...

- E o meu suplício atroz não se adivinha,
quando, beijando-te, o pavor me invade
de que em meus braços tu não sejas minha!
= = = = = = = = =  

Haicai do
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

No botão da flor,
depois da explosão da rosa,
os lábios do amor! 
= = = = = = = = = 

Soneto de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Olha Daisy: quando eu morrer tu hás-de...
(Fernando Pessoa/Alvaro de Campos "Cem Sonetos Portugueses", p. 82)

Olha, Daisy: quando eu morrer tu pensas
Que fui ali, à esquina, ver tabaco
Que me escapei do lar, sem dar cavaco
Mas que voltarei já, sem mais detenças.

Vendo bem, não são muitas as diferenças
Entre a morte e uma queda num buraco
Da rua em que rasgamos o casaco
E o corpo sofre mais outras ofensas.

Insulta-me: "És canalha e mentiroso!!!
Seu traidor!!! És um traste e cão raivoso!!!
Até que enfim, me vi livre de ti!"

E não indo a saudade à tua porta
Quando a minha lembrança for já morta
Não vale a pena, então, ver que eu morri...
= = = = = = = = = 

Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Camões, I

Tu quem és? Sou o século que passa.
Quem somos nós? A multidão fremente.
Que cantamos? A glória resplendente.
De quem? De quem mais soube a força e a graça.

Que cantou ele? A vossa mesma raça.
De que modo? Na lira alta e potente.
A quem amou? A sua forte gente.
Que lhe deram? Penúria, ermo, desgraça.

Nobremente sofreu? Como homem forte.
Esta imensa oblação?... É-lhe devida.
Paga?... Paga-lhe toda a adversa sorte.

Chama-se a isto? A glória apetecida.
Nós, que o cantamos?... Volvereis à morte.
Ele, que é morto?... Vive a eterna vida.
= = = = = = 

Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

A madrugada jaz fria
no concreto da cidade
e teu corpo incendiado
aquece os lençóis vazios.
A flor grita, em euforia
nos canteiros agitados;
muda, sente calafrios,
chamas da maturidade.
= = = = = = = = =  

Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

Curva do caminho

Eis-me chegando à curva do caminho,
onde vejo os escombros do passado:
a casa em que nasci, cresci, malgrado
o quarto de dormir em desalinho.

Não me faltou, porém, muito carinho
vivendo no Sertão injustiçado,
onde o “mandante” sempre desalmado
faz o povo sofrer, no Pelourinho...

No entanto, a vida é bela e deslumbrante,
mesmo que a estrada se apresente escura
sempre brilha uma luz ao viajante...

... E quando eu me tornar uma saudade,
minha alma esquecerá a desventura
para cantar, em verso, a Eternidade!
= = = = = = = = =  

Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/ Portugal

O gato Bernardo

O gato Bernardo
mia, mia sem parar.
Quer apanhar uma estrela,
mas não sabe como a ela chegar.

Faz contas e mais contas,
calcula distâncias em vão.
Não sabe como chegar ao céu:
se a pé ou de avião.

Recomendei-lhe um foguetão
ou uma nave espacial.
O gato Bernardo está confuso
pois escolher não sabe qual!

A força da gravidade
está a deixá-lo preocupado.
Diz que já não tem idade
para andar pendurado.

Talvez peça a uma empresa
para lhe trazer o seu desejo.
Vai deixá-la no seu quarto
e com ela será um festejo.

A estrelinha vai-lhe contar
histórias para adormecer.
Serão os melhores amigos
até o Sol nascer!
= = = = = = = = =  

Poema de
SILMAR BOHRER
Caçador/SC

Cantilenas

Na rude sina de escrever
não tenho o brilho de versejar,
sem o estro como me atrever
a alguma rima iluminar.

Lendo Confúcio e os sonetos
de Bilac reverberando,
nos parnasianos, nos analetos
a rabiscar vou bem lutando.

São cantigas mãos-atadas,
sem vigor e sem brilho, dezenas
de estrofes versalhadas,

São cores sem nenhum matiz,
tantos versos cantilenas
e garatujas do bardo aprendiz.
= = = = = = = = =  

Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

Chocados os ovos,
há o choque
dos seres novos.
E a vida prossegue.
= = = = = = = = =  

Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

Agonia

Nos lençóis inda sinto o perfume
Desse amor indomado, atrevido.
Perco o sono, em saudade embebido,
Tu partiste, emergi em negrume.

Por espinhos agudos cingido
Não mais tenho o mirífico lume,
A lamúria o viver se resume
Com tristura esta cama divido.

Presa fácil de infinda agonia
Tua ausência pranteio, definho,
Perambulo em vereda sombria.

Se tivesse outra vez o carinho
A sorrir de prazer voltaria,
Não me deixes penar mais sozinho.
= = = = = = = = =  

Poetrix de
TÂNIA SOUZA
Mato Grosso do Sul

Vitrine

Confeitos coloridos!
Nos olhos do menino
A fome chora.
= = = = = = = = =  

Poema de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/SP

Silêncio

Existem  dias que  prefiro o silêncio,
um silêncio brando, suave, que me transporta
ao profundo útero da alma.
Feto sem luz, ali me recolho à espera de renascimento.
Choro um choro sufocado, que o silêncio silencia.
A  gestação  prossegue recriando minha alma
e  reencontro a vida que  a mim proponho.
 É no fundo do silêncio que me reconstruo
e  me apodero de novos sonhos.
= = = = = = = = =  

Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Ao som da minha lira

Se me deixas à deriva, sou navio
resistente a solidão das calmarias.
quando as nuvens que me vêm, ficam sombrias,
fantasias iluminam meu vazio.

Abstrai-me o abandono que me inspira
a içar  as minhas velas renitentes,
movimento-me ao som da minha lira,
mesmo quando o meu silêncio é  permanente.

Se me deixas  à deriva, não me deixas,
pois a tua companhia é  tão  minha,
e até  mesmo sem saber se tu te  queixas, 

teu sorriso me acompanha na viagem
que jamais será  mais triste ou mais sozinha, 
porque teu amor faz  parte da  paisagem.
= = = = = = = = =  

Poema de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ

Alvorada eterna

Quando formos os dois já bem velhinhos,
já bem cansados, trôpegos, vencidos,
um ao outro apoiados, nos caminhos,
depois de tantos sonhos percorridos...

Quando formos os dois já bem velhinhos
a lembrar tempos idos e vividos,
sem mais nada colher, nem mesmo espinhos
nos gestos desfolhados e pendidos...

Quando formos só os dois, já bem velhinhos,
lá onde findam todos os caminhos
e onde a saudade, o chão, de folhas junca...

Olha amor, os meus olhos, bem no fundo,
e hás de ver que este amor em que me inundo
é uma alvorada que não morre nunca!
= = = = = = = = =  

Poema de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

Amar-te em poesia!

Face a detalhes adversos
E a entraves do dia a dia,
Preciso apelar pros versos
E assim te amar em poesia!

Meus versos são lenitivos
À falta de teu calor,
Mantêm instintos ativos
Por conta de nosso amor.

Amar-te em poesia, sim;
Abrir para ti meu peito!
Trazer tua imagem pra mim
E envolvê-la do meu jeito!

Musa és de meus poemas
Instados pela distância.
De ti, vêm todos os temas
E paixão em abundância.

Os doces versos saindo,
Dão-me vida afortunada.
Amar-te em poesia é lindo,
Antes isso do que nada!
= = = = = = = = =

Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

Medo de amar

Amor, meu grande amor, bem que eu queria
saber coisas de amor que não entendo.
Tuas respostas sempre têm o adendo
oculto e dúbio... cheias de magia...

Olho-te, o teu mistério não desvendo,
o teu olhar confunde a analogia;
e nada do que sinto é mais horrendo
que o desespero de perder-te um dia...

E um medo bem maior que te perder
vêm dos teus olhos e do teu poder
que deixam meus desejos tão incertos...

Quem sabe teus mistérios e segredos
estejam protelando estes meus medos
para que os teus não sejam descobertos!...
= = = = = = = = =  

Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro RJ, 1901-1964

Epigrama n. 2

És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir, e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa.
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo, despovoado e profundo, persiste.
= = = = = = = = =

Trova de
ARI SANTOS DE CAMPOS
Balneário Camboriú/SC

Neste mundo de conflitos
o Poder faz e desfaz...
E os povos seguem aflitos
com a esperança de paz!...
= = = = = = = = =  

Limerique de
TATIANA BELINKY
São Petersburgo/Rússia, 1919 – 2013, São Paulo

Minhocas

Ao ver uma velha coroca
fritando um filé de minhoca
o Zé Minhocão
falou pro irmão:
“Não achas melhor ir pra toca?”
= = = = = = = = =  

Soneto de
TÚLIO VARGAS
Piraí do Sul/PR, 1929 -2008, Curitiba/PR

Machadiano

“Oh! Flor do céu! oh! flor cândida e pura!”
Que dos vergéis avulta doce e inquieta;
encanta e traz, das vestes da natura,
da luz o brilho e a cor da borboleta.

Para exaltar-te invoca-se um poeta,
a declamar sem laivos de amargura,
pois eu, que sou um infeliz esteta,
não intento alcançar tal formosura.

Quero dizer-te a frase romanesca,
mas na garganta cessa voz grotesca
e o pensamento todo se embaralha.

Um número qualquer na sorte crivo,
oh! dúvida cruel! Mas sobrevivo.
“Ganha-se a vida, perde-se a batalha!”
= = = = = = = = =  

Glosa de
FRANCISCO PESSOA
(Francisco José Pessoa de Andrade Reis)
Fortaleza/CE, 1949 - 2020

Cada passo é mais um sonho 
Ao longo do caminhar

Esteja alegre ou tristonho
O poeta enxerga a vida
Tal a terra prometida…
Cada passo é mais um sonho.
Chega ao destino risonho,
Pelo prazer de rimar
E antes mesmo de apear
Em pensamentos, imerso,
Olha pra trás, vê seu verso
Ao longo do caminhar.

Usei todos os atalhos
Que encontrei pelo caminho,
Fiz de quando em quando um ninho,
Fiz de estrelas agasalhos.
Os meus cabelos grisalhos
Tingidos pelo luar,
Retratam bem meu andar…
Embora um tanto tardonho,
Cada passo é mais um sonho
Ao longo do caminhar.
= = = = = = = = =  

Copla* de
ÂNGELO FRANCO
São Luiz Gonzaga/RS

Coplas de um gaúcho brasileiro

Esta parada que eu carrego no meu jeito
Vem do meu peito embriagado de ideal
Eu sou de um povo que se fez a ferro e fogo
Guardando posto no Brasil meridional

Os olhos firmes não retratam amarguras,
Pois as agruras não são mais que provações
Se rio pouco quando rio, sou sincero
Sei o que quero não nasci pras ilusões

A cada dia que o Brasil fica mais velho
Eu me revelo mais gaúcho e brasileiro
Pena que os olhos do país às vezes turvam
E nos enxergam muito mais como estrangeiros

É bem verdade que não somos agregados
Aos que parados choram pranto de miséria
Sangue latino, coração de terra bruta
A nossa luta é por trabalho e gente séria

Nossas verdades têm razões nacionalistas
Como ativistas da cultura regional
Já não pregamos nenhuma separação
Revolução é dar a mão ao seu igual

Por isso eu digo pra cada brasileiro
Somos gaúchos com orgulho da nação
Apenas peço não esqueçam do Rio Grande
Que ainda temos o Brasil no coração
=======

* Copla, pequeno poema lírico de inspiração popular, constituído geralmente por estrofes de quatro versos octossílábicos, assonantados. Os versos podem também ser assonantes ou consoantes de oito, onze ou doze sílabas. Há ainda octossílábicos alternados com heptassílábicos. A copla pode ser de mais de quatro versos: cinco, sete, nove... e de menos: três. As coplas se denominam: de vilancetes, de seguidilhas, quintilhas, sextilhas, de sete, oito e nove versos; coplas reais, coplas de arte maior, coplas de pé quebrado. Cada uma destas têm sua própria estrutura: tipo de versos (octossilábico, quintilha, etc), quantidade de versos e estrofes, e rimas. 
Fonte: Federico Carlos Sáinz de Robles. Diccionário de La Literatura. Aguillar, 1982.
(tradução do espanhol por José Feldman)
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 

Lóla Prata (O Negócio é Sério)


Aquele indivíduo, funcionário eficiente, temperamento expansivo, educação fina, sem defesas, sorria para todos. O público a quem atendiam, não o pertubava, trazia-lhe satisfação, pois aproveitava os contatos, conversava com todos, vivia em paz. O funcionário continuava na mesma toada: de bem com a vida, transmitia serenidade e angariava amigos.

Menos, a consideração do chefe, que permanecia inconformado. Não era possível! Não compreendia! Atender gente o dia todo, durante meses seguidos e continuar com o sorriso nos lábios, tratando bem a todos, até mesmo aos reconhecidamente chatos (?); devia ser pouco serviço, ajuizava ele. Então, começou a premiar o rapaz com mais atribuições. Quanto mais sorriso, mais serviço.

Agora, o rapaz só dava conta da papelada, se ficasse fora do horário de expediente. Por um tempo, não reclamou, o salário era bom, então, correspondia da melhor maneira possível.

Mas, um dia, sua jovem esposa queixou-se da ausência dele no lar, da falta de companhia, pois queria-o ao seu lado para conversas sobre a vida, para lazer e lamentava o horário de seu regresso do trabalho, o que acontecia lá pelas 21 ou 22 horas.

Ele percebeu que há muito não se distraía, só preocupado com o acúmulo de responsabilidades no escritório. Sentiu o semblante sério e carregado. O espelho da sala lhe revelou raiva, cansaço físico e mental. Cara amarrada. Insatisfação com o ordenado.

Aí, a triste resolução: pede demissão, não real, mas psicológica, do trabalho. Limitou-se ao essencial. Nunca mais sorriu nos dias da semana.

Passou a ser feliz apenas aos domingos.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
Maria de Lourdes Prata Garcia (pseudônimo Lóla Prata) nascida em Santos, SP, em 1940. Já morou em Santos, Adamantina, Lucélia e São José dos Campos, no estado de São Paulo. Formou-se professora primária no Colégio São José, Santos, 1957. mora em Bragança Paulista desde 1974. Idealizadora da Associação de Escritores (ASES) em 1991 e fundadora da Seção da União Brasileira de Trovadores (UBT) em 2007. Vinte e cinco livros publicados em plataforma física e/ou virtual, entre os quais o Dicionário de Rimas ARRIMO, aceito na Academia Internacional de Lexicografia em 2004. Acadêmica correspondente da Academia Feminina de Ciências, Letras e Artes de Santos-SP; Academia Feminina de Letras e Artes de Jundiaí-SP; Academia Pontagrossense de Letras, Ponta Grossa-PR; Sociedade de Cultura Latina do Brasil, Mogi das Cruzes-SP; Academia de Ciências, Letras e Artes de Columinjuba – Maranguape-CE; Academia Taubateana de Letras. Taubaté-SP.

Fontes:
Lóla Prata. Vivendo. Publicado em 1978. Disponível em https://www.lolaprata.com.br/vivendo
Imagem criada por JFeldman com Microsoft Bing

Vicência Jaguaribe (Por onde anda minha bela estatueta de porcelana branca?)


Há alguns dias, procuro uma estatueta de porcelana branca. Ela enfeitava um dos recantos de meu apartamento, posta em sossego na parte inferior de uma coluna. Não a encontro. Já começo a perguntar-me se a possuí um dia. Mas sua imagem me é tão clara, que não quero admitir que seja ela fruto de minha imaginação.

Como já disse, é de porcelana branca. Sua silhueta, fina e delgada, e sua beleza delicada sempre me deram impressão de diafaneidade. Talvez tenha uns cinquenta ou sessenta centímetros de altura, nunca a medi. Como o leitor deve estar observando, faço questão de falar nela no presente do indicativo, porque não admito a sua perda.

Já a procurei em todos os cantos e recantos. Nos guarda-roupas, no alto dos maleiros, dentro das gavetas, nas estantes, e nada. A Noêmia, minha caríssima secretária, diz que não se lembra dela. E olhem que a Noêmia tem memória de elefante. E parece possuir um dom especial para achar coisas perdidas. Mas, desta vez, sua destreza para localizar objetos desaparecidos parece ter-se evaporado.

E fico eu, repetindo a busca nos mesmos lugares, nos mesmos cantos e recantos. E pergunto-me: Se essa estatueta nunca existiu e é fruto de minha fantasia, de onde saiu sua imagem, que preenche minha imaginação? Vi-a em alguma loja? Na casa de alguma amiga? Mas não sou assim tão impressionável. E o mais curioso nessa história é que me lembro não só da estatueta em si, mas de sua embalagem: uma caixa branca, fina e comprida, sem nenhuma inscrição ou desenho.

Lembro-me, inclusive, de uma conversa rápida que tive com um dos meus irmãos. Ele olhou uma outra estatueta – tenho mais de dez, de variados tamanhos e formatos – e disse que, para ele, aquela era a mais bonita. Eu discordei: Para mim, a mais bonita é a branca. Diga-me você, leitor: dá para pensar que inventei toda essa situação? Quem sabe, hein? Nossa memória nos prega peças, não há dúvida. Eu até diria, parodiando Shakespeare, que nossa memória, senhores leitores, nos prega mais peças do que jamais sonhou vossa (e nossa) filosofia.

Algumas lembranças que tenho – que todos temos – da infância me intrigam. E me pergunto: Eu me lembro mesmo desse episódio, ou as lembranças que acho guardar dele são o resultado de tanto ouvir meus familiares falarem sobre o dito cujo? Tenho dúvidas, por exemplo, sobre as lembranças que penso ter de uma cena de namoro de meu tio Dedé com uma prima. Como eu gostava muito dela, ficava perto e via-os abraçarem-se e beijarem-se. Então, dizia, com minha pronúncia precária, uma expressão que, depois, ouvi muitas vezes pela boca de minhas tias, recordando o episódio: Já tomeçou, hein?

O mesmo acontece com uma viagem que fiz com minha tia Sinhazinha – a Mãe da Vovó – e minha irmã Francisca Marta – a Neném. Em uma das paradas do misto, um desconhecido, ouvindo-nos chamar nossa tia de Mãe da Vovó, saiu-se com esta pergunta: Eu pensei que estas meninas fossem suas filhas. Mas são suas netas, não são? Como ouvi minha tia contar essa história muitas vezes, hoje não sei mais se me lembro do acontecido ou se o introjetei partindo de suas palavras.

É sempre difícil admitir-se falha de memória. Como tudo que envolve o mecanismo cerebral, a memória é algo que se reveste de um caráter de intangibilidade, que facilmente atrai o preconceito. É muito mais simples admitir que se está com um sério problema cardíaco, com uma grave pneumonia, até com um tumor maligno, do que admitir que se está com falhas de memória. A falha de memória pode indicar o início da demência senil ou a visita daquele alemão de nome Alzheimer, tão na moda nestes tempos de novos males e de novos nomes para males antigos.

Bem, mas voltemos à minha bela estatueta de porcelana branca. Onde a deixei, caríssimos leitores? Onde a deixei ou a guardei no espaço físico do meu apartamento? E onde a deixei no espaço textual. Há algum dêitico, por aí, que me possa apontá-la? Há alguma pessoa de boa vontade que possa de novo abrir gavetas e guarda-roupas, revirar lençóis e toalhas, desencostar móveis e finalmente gritar bem alto, empregando o dêitico mágico – Está aqui!?

Quanto a situá-la no texto, posso dispensar esse trabalho. Seria uma busca inútil, pois coloco o ponto final desta crônica agora, neste exato momento, e aqui, neste exato lugar.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

Vicência Maria Freitas Jaguaribe, nasceu em Jaguaruana/CE (vocábulo indígena que significa “onça preta”), em 1948. Formada em Letras com mestrado em Literatura. Lecionou em vários colégios e na antiga Escola Técnica Federal do Ceará e na Universidade Estadual do Ceará. Escreve em prosa e em versos, para crianças e adultos. Publicou quatro livros para criança e um para adulto. Escreve e publica em alguns sítios da Internet.

Fontes:
Texto enviado pela autora. 12.01. 2010
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Laé de Souza (Coragem de Optar pela Arte)


Há quem diga que a responsabilidade maior foi do pai, que numa viagem ao nordeste o presenteou com um berimbau. Outros acham que a culpa foi da mãe que, enjoada do din-din-din-don, trocou o instrumento por um violão de plástico e cordas de náilon. Embora. muitos acreditem que ele já tenha vindo de nascença com um parafuso a menos e que essas coisas não tenham influenciado em nada. O que é certo, e concorde a todos, é que o Gertulino não tem um pingo de juízo.

Os pais, coitados, na verdade a gente sabe que fizeram de tudo para que ele se endireitasse, mas foi perda de tempo. Arrumaram uma vaga num escritório de contabilidade, mas qual nada. Na mala de boy , levava suas revistas de partituras e letras que cantarolava no ônibus e na fila do banco. No guichê, enquanto o caixa autenticava, ele tamborilava com uma bic no vidro do balcão. Não reclamava do salário, mas chiava quando tinha de catar milho na Olivetti para preencher de uma guia e também não queria nem saber de débito/crédito. O contador lhe apontava exemplos de quem entrou pequeno e agora era chefe de departamentos e ele, nem aí. Já bem crescido foi despedido por faltas. Trabalhava um, faltava dois dias. Arrumaram-lhe um emprego numa metalúrgica . Na prensa, com o pé livre batia duas vezes no chão e no do pedal batia uma, em ritmo de valsa. Puseram-no para rebitar, e o chefe o dispensou por não aguentar mais o bater compassado e a quarta batida mais forte, sempre.

Daí para a frente só fez bicos. Na maioria das vezes era encontrado em casa, fechado no quarto com seu violão, repetindo várias vezes a mesma música e descobrindo as notas de um solo. Começou tocar nuns barzinhos e até recebia acanhados aplausos. Quando perguntado pelo filho, seu Agildo, respondia que ele estava trabalhando. Mas quem ouvia os acordes vindos do quarto, dava uma risadinha e dizia que o Gertulino não tinha jeito mesmo.

Seu Agildo também achava que não era certo o proceder do filho, mas saiu a investigar se era só ele quem tinha filho doido.

O filho do padeiro era encafifado com negócio de pegar pedaços de pau e ficava horas e horas esculpindo. Às vezes até que fazia alguma coisa bonita, da qual o pai ignorava a beleza para não estimular a loucura. O filho do açougueiro era metido com coisas de teatro e vivia correndo atrás de roupas velhas. Perdia horas e horas em ensaios inúteis, fazendo cenários de papelão, perucas, narizes e, de vez em quando, junto com outros doidos dava um show na praça. O filho de um seu Geraldo ficava horas e horas como que fora do mundo, pintando um quadro. O filho da professora, era poeta e não fazia outra coisa senão rabiscar um caderno espiral de capa gasta. Assim, seu Agildo viu tantos malucos pelas noites que chegou a duvidar se era mesmo loucura.

Ele descobriu que existiam outros doidos e tentou adivinhar que espécie de doença é essa que ataca a mente, fazendo abandonar futuros planejados, por caminhos incertos. E nós, até com certa inveja, perguntamos de onde nasce essa força tão grande que faz com que alguns tenham coragem de optar pela arte.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 

Laé de Souza é cronista, poeta, articulista, dramaturgo, palestrante, produtor cultural e autor de vários projetos de incentivo à leitura. Bacharel em Direito e Administração de Empresas, Laé de Souza, 55 anos, unifica sua vivência em direito, literatura e teatro (como ator, diretor e dramaturgo) para desenvolver seus textos utilizando uma narrativa envolvente, bem-humorada e crítica. Nos campos da poesia e crônica iniciou sua carreira em 1971, tendo escrito para "O Labor"(Jequié, BA), "A Cidade" (Olímpia, SP), "O Tatuapé" (São Paulo, SP), "Nossa Terra" (Itapetininga, SP); como colaborador no "Diário de Sorocaba", O "Avaré" (Avaré, SP) e o "Periscópio" (Itu, SP). Obras de sua autoria: Acontece, Acredite se Quiser!, Coisas de Homem & Coisas de Mulher, Espiando o Mundo pela Fechadura, Nos Bastidores do Cotidiano (impressão regular e em braille) e o infantil Quinho e o seu cãozinho - Um cãozinho especial. Projetos: "Encontro com o Escritor", "Ler É Bom, Experimente!", "Lendo na Escola", "Minha Escola Lê", "Viajando na Leitura", "Leitura no Parque", "Dose de Leitura", "Caravana da Leitura”, “Livro na Cesta”, "Minha Cidade Lê", "Dia do Livro" e "Leitura não tem idade". Ministrou palestras em mais de 300 escolas de todo o Brasil, cujo foco é o incentivo à leitura. "A importância da Leitura no Desenvolvimento do Ser Humano", dirigida a estudantes e "Como formar leitores", voltada para professores são alguns dos temas abordados nessas palestras. Com estilo cômico e mantendo a leveza em temas fortes, escreveu as peças "Noite de Variedades" (1972), "Casa dos Conflitos" (1974/75) e "Minha Linda Ró" (1976). Iniciou no teatro aos 17 anos, participou de festivais de teatro amador e filiou-se à Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. Criou o jornal "O Casca" e grupos de teatro no Colégio Tuiuti e na Universidade Camilo Castelo Branco. 

Fontes:
SOUZA, Laé de. Acontece… SP: Ecoarte, 2018.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Asas da Poesia * 46 *

Poema de LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE Pinhalão/PR Tuas Mãos "Tua mão esquerda está sob minha cabeça, e tua direita abraça-me " (Ct.8....