05 abril 2025

Asas da Poesia * 3 *


 Poema de
ELISA ALDERANI
Ribeirão Preto/SP

Orações

Frente a minha morada, o poste é sentinela alerta.
A janela está aberta.
Pingos de chuva luzentes riscam o ar.
Cheiro de terra molhada
Penetra minha alma enclausurada.
Quero sair correr, me perder no tempo,
Mas fico sozinha pingando saudade.
Chora o céu escuro,
Lembranças atravessam o muro.
Oh poeta triste!  Escuta o silêncio,
Entre cadeiras vazias, livros espalhados na mesa,
Ideias azuladas, sufocadas,
Veladas de mistério.
Sonha poeta; preenche linhas vazias,
Noite de melancolia inútil, profanada.
Procura as palavras espelhadas no vidro.
Suspiros embaçados, devaneios…
E, se esvai o dia, o agora.
Uma chuva de orações molha
Minha alma nua.
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Roda de fiar

As lembranças tecidas em lãs,
Algodão e linho aquietam-se
E observam a antiga roda de fiar,
Transformando a palha em ouro -
"Rumpelstíltskin"...
A roca
Lembra? leme de um barco
Roda da Vida, num contínuo movimento
De fibras em fios,
As mãos invisíveis do Tempo
Ainda permanecem
A mover a roda de fiar - tecer destinos
Delicados fios entrelaçando
Sonhos e vida -
Enquanto,
Uma, curiosa, gota de sangue
Desliza no fuso...
= = = = = = 

Trova de
DOROTHY JANSSON MORETTI 
Três Barras/SC, 1926 – 2017, Sorocaba/SP

A brisa afasta a cortina,
e uma nesga de luar,
fugindo à fria neblina,
vem aos meus pés se abrigar.
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Pregados aos silêncios das paredes
(Mário Sousa Ribeiro, in “Textos de amor”, p.118)

Pregados aos silêncios das paredes
Há chapéus em retratos esquecidos
Bengalas e bigodes retorcidos
Luvas sobre anéis ricos que não vedes.

Pestanas por detrás de finas redes
Complementos das rendas dos vestidos
De enlaces e noivados prometidos
Que saciem as mais que humanas sedes.

Crianças rindo em tão ingênuas poses
São cobaias das vis metamorfoses
Que ar sisudo lhes há de conferir.

São os nossos avós, nossos parentes
E se hoje nos achamos diferentes
É porque não sabemos nos despir. 
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Triverso de
FRANCISCO DE ASSIS NASCIMENTO
Goiânia/GO

Letras em fulgor
E solenes trilham.
Compor com amor.
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Virgens mortas

Quando uma virgem morre, uma estrela aparece,
Nova, no velo engaste azul do firmamento:
E a alma da que morreu, de momento em momento,
Na luz da que nasceu palpita e resplandece.

Ó vós, que, no silêncio e no recolhimento
Do campo, conversais a sós, quando anoitece,
Cuidado! – o que dizeis, como um rumor de prece,
Vai sussurrar no céu, levado pelo vento...

Namorados, que andais, com a boca transbordando
De beijos, perturbando o campo sossegado
E o casto coração das flores inflamando,

- Piedade! elas veem tudo entre as moitas escuras...
Piedade! esse impudor ofende o olhar gelado
Das que viveram sós, das que morreram puras!
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Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

Lágrimas, fuga das águas 
por um riacho inclemente 
que numa enchente de mágoas 
inunda o rosto da gente!
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Poema de
JOSÉ FELDMAN
Floresta/ PR

Lira da poesia 

Quando a luz da manhã se faz presente,  
o poeta desperta, a alma em ebulição,  
a inspiração se faz reluzente,  
e a esperança surge com nova emoção.  

Ao entardecer, o sol se retira,  
as sombras bailam segredos no ar,  
mas a caneta persiste em sua lira,  
escrevendo versos que não vão cessar.  

Assim, entre o amanhecer e o anoitecer,  
o coração bate forte, anseia amar,  
cada estrofe é um sonho que está a crescer,  
e um futuro luminoso a se desenhar.
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Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

Sai do museu, braço dado 
com sua sogra, o Sinfrônio:
- e o guarda grita, alarmado: 
- "Tão roubando o patrimônio!"
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Poema de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Canção da Garoa

Em cima do meu telhado,
Pirulin lulin lulin,
Um anjo, todo molhado,
Soluça no seu flautim.

O relógio vai bater;
As molas rangem sem fim.
O retrato na parede
Fica olhando para mim.

E chove sem saber por quê...
E tudo foi sempre assim!
Parece que vou sofrer:
Pirulin lulin lulin…
= = = = = = 

Hino de
ALVORADA DO SUL/ PR

O teu nome alvorada do sul
Sintetiza o despertar para o futuro
Em teu céu sempre azul o cruzeiro a brilhar
Mostra o rumo que tens a trilhar

E o alvorecer de um novo dia
Surge esperançoso de sucesso
Cheio de paz e alegria, na marcha firme.
Para o progresso

E o teu povo trabalhador confia no amanhã
Cheio de esplendor
E o teu povo trabalhador
Confia no amanhã cheio de esplendor
 
O teu nome alvorada do sul
Sintetiza o despertar para o futuro
Em teu céu sempre azul o cruzeiro a brilhar
Mostra o rumo que tens a trilhar
 
Em cada dileto filho teu
Vive a chama de um ideal
És o amor que nasceu
De um desejo bom e triunfal
 
E o teu povo trabalhador confia no amanhã
Cheio de esplendor
E o teu povo trabalhador
Confia no amanhã cheio de esplendor
 
O teu nome alvorada do sul
Sintetiza o despertar para o futuro
Em teu céu sempre azul o cruzeiro a brilhar
Mostra o rumo que tens a trilhar
 
E o teu povo trabalhador
Confia no amanhã cheio de esplendor
E o teu povo trabalhador
Confia no amanhã cheio de esplendor 
= = = = = = = = =  

Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Liberdade

Eu quero a liberdade e a leveza do vento,
A brincar co'a folhagem  a rolar  na grama.
Eu quero a submissão  da criança que mama
E a  servidão do frade  a buscar seu intento.

Eu quero a autonomia  e a coragem de um cego
A andar pela avenida e ruas da cidade,
Buscando a sinergia entre o homem  e a liberdade,
Com a espontaneidade e a visão de seu ego.

Em busca da existência  e condição humana,
querendo a independência  e nada o desengana;
Nesse comportamento há medos que o consomem.

E na disposição de sua liberdade
Está a proposição e na eterna vontade
A força propulsora  da liberdade do homem.
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Trova Premiada de
RITA MOURÃO
Ribeirão Preto/ SP

Roxa ou preta quando antiga, 
mas rubra se a dor maltrata. 
Por isso não há quem diga 
da saudade a cor exata.
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Uma Lengalenga de Portugal

A Boneca
 
 Tia Anica Marreca
 Traga-me uma roca
 Pra minha boneca
 Que ela é careca.
 Tem um pé de pau
 Quando vai pra cama
 Faz trau tau tau.
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Quadra Popular de
DEODATO PIRES
Olhão/ Portugal

Quer tenha ou não tenha sorte
na vida que Deus lhe deu,
não pode fugir à morte
todo aquele que nasceu.
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Geraldo Pereira (A Sapatilha de Ponta)

Retomo sempre que posso o início de vida de cada uma das minhas filhas, recordando o primeiro choro que ouvi, de cada uma separadamente na sala de parto. Gosto de parar e notar o quanto progrediram! Fabiana chorou logo, Patrícia demorou e levou umas palmadas nas costas, mas pronunciou-se fortemente, fazendo o avô, na sala de espera, dizer: “Pelo choro, será tão inteligente quanto a outra!”. Digressão psicológica tirada, talvez, em conversa de calçada com Sylvio Rabello. Depois, Carolina nem queria sair da barriga, fazendo Jorge Regueira rebuscar o ventre à procura dela, mostrando quando quis e bem entendeu o pé, veio à luz de cabeça para baixo. Chegou e chorou, deu o grito das outras, igual ao de Fabiana e tão estridente quanto o de Patrícia.

Agora, já estão todas mais na frente! Fabiana rodopiando no balé, calçando a sapatilha de ponta. Chega do ensaio, conversa com Catarina e Karina, confessa: “Vou tirar um retrato com a minha sapatilha de ponta!”. Depois, volta-se para mim e define, deseja - isso sim! - substituir a foto de seu quarto de uma bela moça atacando a sapatilha por seu próprio retrato.

Concordo e me disponho a ser o fotógrafo oficial do grupo! 

Patrícia ingressa na adolescência, pelo menos pretende isso e aparece no Shopping Center todos os sábados para fazer o footing, como dizem os do meu tempo, imitando os americanos, e não gosta ela que se fale agora. Vai e volta, anda pra lá e pra cá, paquera de um e de outro lado, mas vez ou outra é tomada pelo desejo infantil, pede dinheiro e monta o cavalinho que sai rodopiando no salão.

Carolina é pixote, agarra-se à boneca, instala-se na casa dos sonhos de criança e tome briga com Catarina. Mas, se Catarina não vier, a boca vai lá embaixo e a chorumela é grande!

São três meninas diferentes, três cabecinhas completamente diversas, uma quase moça, outra forçando a chegada, embora presa na brincadeirada da idade e a pequena, sem saber das paqueras da vida, agarra-se com a boneca e se encanta com as estórias das fadas e das bruxas.

Eu virei motorista, levo Fabiana e trago Patrícia, secretariado, sempre, por Carol, que diz: “Painho! Menina pequena pode ir?”. Se disser que pode ela vai, se falar que não, ela fica, imperturbável, tranquila. É programa de toda ordem, festa de aniversário e festa sem motivo! O carro abarrotado, gente por todo lado! Aí, Catarina me explica que Pedro – o pai –, não pôde vir, ocupado como está no Palácio do Governo. Digo eu, então, a ela: “Seu pai é um fidalgo! Nasceu em tempo errado! Elegante como um Prefeito, mas simples como Pedro, o pescador da Galileia!”. 

Ela não entende bem, mas garante que vai dizer ao pai!

Fabiana divagando, qual bailarina no palco, confessa ao meu ouvido, satisfeita e vibrante, quase gritando: “Painho! Quebrei a sapatilha de ponta!”. “Ah, meu Deus, não me diga uma coisa dessa!”. Tem que quebrar, mesmo, é a explicação que recebo!

Eis a vida de pai, em três idades diferentes!

(Texto escrito na adolescência da filha mais velha, na pré-adolescência da segunda filha e na infância da terceira).
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GERALDO JOSÉ MARQUES PEREIRA nasceu em Recife/PE, em 1945 e faleceu na mesma cidade em 2015, formou-se em Medicina na UFPE em 1986. Fez o mestrado no Departamento de Medicina Tropical da instituição, do qual se tornou coordenador posteriormente. Foi diretor do Centro de Ciências da Saúde e fundou o Núcleo de Saúde Pública e Desenvolvimento Social (Nusp) da universidade. Vice-reitor da instituição de 1996 a 2004 e, quando o reitor precisou se afastar entre março e novembro de 2003, foi reitor em exercício. Fora da universidade, integrou a Comissão Estadual de Saúde, a Comissão Científica de Combate à Dengue do Governo do Estado e a Comissão de Cólera da UFPE e da Cidade do Recife, além de participar do Conselho Científico do Espaço Ciência da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente de Pernambuco. Por conta dos inúmeros artigos científicos publicados, ainda foi membro da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores e do Conselho Estadual de Cultura e presidente da Academia Pernambucana de Medicina. Escrevia crônicas e, em março de 2011, assumiu a cadeira de número 16 da Academia Pernambucana de Letras, que já havia sido ocupada pelo seu pai, o escritor Nilo Pereira.

Fontes: 
Geraldo Pereira. Fragmentos do meu tempo. Recife/PE. Disponível no Portal de Domínio Público
Imagem criada com Microsoft Bing 

Célio Simões (O nosso português de cada dia) “Dia da Mentira”

Você sabia que o peixe é o único animal que continua a crescer mesmo depois de morto? Então pergunte a qualquer pescador... Seguindo a tradição, nenhum pescador que se preze conta que pescou alguma coisa do tamanho exato que veio no anzol, na tarrafa ou na rede, porque sempre ele dirá que foi bem maior do que aquilo que realmente foi pescado. 

No Brasil, o primeiro registro do “Dia da mentira” foi há quase dois séculos, em 1828, quando o jornal mineiro curiosamente intitulado “A Mentira”, trouxe falsamente em sua primeira edição a notícia da morte de Dom Pedro I, justamente no dia 1º de abril. Descoberta a patranha, surgiu a afirmação de que "A mentira tem pernas curtas" ou, em sentido figurativo, a afirmação de que “É mais fácil pegar um mentiroso do que um coxo”. 

Embora possam ser danosas as consequências de uma história mendaz (falsa, mentirosa), no Dia da Mentira pessoas de todo o mundo brincam umas com as outras, pregando peças e contando balelas. Algumas antológicas, tanto que deram origem aos concursos de mentiras espalhados Brasil afora. 

Certame mundialmente famoso é o Festival da Mentira de Nova Bréscia, no Rio Grande do Sul, considerada a capital nacional da mentira, realizado a cada dois anos, em que atua uma banca julgadora integrada por jornalistas, publicitários, professores e coordenadores culturais, que escolhe a mentira vencedora, dentre as mais cabeludas que são contadas, premiando o vencedor com uma recompensa em dinheiro.

“Eu não gosto do mentiroso que mente para prejudicar os outros, eu gosto de mentiroso que mente por amor à arte”, dizia o impagável Ariano Suassuna, que tinha um verdadeiro repertório sobre a mentira e os mentirosos. Também na literatura brasileira, outro personagem se destaca. Mistura de poeta, escritor, folclorista, compositor, conferencista e contador de causos, Cornélio Pires arriscou um elenco de mentiras bem boladas.

Em um de seus vinte livros sobre a vida e os costumes da roça, contou sobre o pai de família que para festejar os 15 anos de sua filha mais velha, preparou um festão na qual a principal atração entre as fartas iguarias oferecidas aos convivas, estava um vistoso e caríssimo queijo suíço, que ele entretanto não permitiu que fosse cortado nem servido aos que compareceram justamente de olho nele. Todo mundo saiu com água na boca, desfrutaram da comilança que foi servida, mas foram impedidos de sequer provar o tal queijo, que pelo seu poder de atração de público, passou a ser alugado pelo dono para motivar com maciças presenças, todas as festas de 15 anos do lugar.

Outra assertiva é que “para mentir precisa ter boa memória” e disso sabem muito bem advogados, promotores e magistrados, pois nos interrogatórios judiciais as testemunhas às vezes distorcem os fatos e mais adiante, esquecidas do que disseram, acabam por revelar inteiramente a verdade caindo em notória contradição. 

Na música popular brasileira, no já distante ano de 1981, Erasmo Carlos nos brindou com “Pega na Mentira”, parece que feita sob medida para o dia 1.º de Abril, mas surpreendentemente atual, mesmo passados mais de 40 anos:

“Zico tá no Vasco, com Pelé
Minas importou do Rio, a maré
Beijei o beijoqueiro, na televisão
Acabou-se a inflação
Barato é o marido da barata
Amazônia preza a sua mata
Pega na mentira, pega na mentira
Corta o rabo dela, pisa em cima
Bate nela, pega na mentira (...)”

O escritor Jorge Fallorca, publicou em 1983 um livro de poucas páginas mas com um sugestivo nome: “Aqui se reúnem políticos, pescadores e outros mentirosos”. Cabia mais gente, claro, mas ele generosamente não deixou de fora os políticos...

Em sites e redes sociais, a mentira hoje se banalizou de tal forma que ninguém acredita de primeira em muitas notícias divulgadas, modernamente conhecidas como Fake News e que nos assolam e nos inquietam a todo minuto. Exemplo típico é recente falácia de que o Governo Federal passaria a cobrar impostos sobre as operações financeiras realizadas por Pix, sobre a compra de dólares e sobre os animais domésticos de estimação, o que, neste último caso, foge a qualquer lógica, de vez que os tutores provavelmente abandonariam seus vira-latas para se eximirem de mais um imposto, entre os tantos que já são pagos. Prova evidente que convivemos com a mentira todo dia o ano todo e não apenas em 1.º de abril, quando ela é tradicionalmente comemorada.

Lembro, a propósito, das ingênuas petas do saudoso mateiro e caçador apelidado de “Mata Onça”, caboclo da região quilombola do Mondongo no Baixo Amazonas, que desbravou o setentrião (norte) como membro da Comissão Demarcadora de Limites onde viveu mil peripécias, uma espécie de Pinóquio ribeirinho que costumava brindar seus ouvintes, sem que crescesse o seu achatado nariz, com mirabolantes pataratices (mentiras) urdidas por sua fértil imaginação, como certa pescaria que ele fez com um amigo, em que sofreram o contratempo de ter a tarrafa enroscada nos galhos submersos do rio, que tinha cerca de três metros de profundidade. O parceiro mergulhou para resgatar a tarrafa, passaram-se dez minutos e nem sinal dele retornar. 

Preocupado, nosso herói pulou na água para ver o que havia acontecido e chegando ao fundo, ficou perplexo ao encontrar seu parceiro calmamente sentado numa pedra consertando a tarrafa, que fora seriamente danificada com o engate. Esse divertido campeão da invencionice afirmava que aquele sujeito tinha um fôlego descomunal, capaz de aguentar mais uns quinze ou vinte minutos submerso, sem qualquer problema. E queria que a gente acreditasse...

Mais famoso que ele foi Pantaleão, inesquecível personagem do genial Chico Anysio no programa Chico City, humorístico que ficou no ar durante toda a década de 1970. No programa, Pantaleão era casado com Terta (interpretada pela atriz Suely May) e de pijama, barbas longas e brancas, cabelos grisalhos e usando óculos cuja lente escura cobria apenas o olho direito, contava suas façanhas se balançando numa cadeira, cada qual a mais inverossímil, alegrando-nos intensamente nas noites em que era exibido, com invejável índice no Ibope, deixando muitas saudade quando foi extinto.

Pela parte que me toca, depois dessas ternas e gostosas lembranças, preciso encerrar este texto por aqui, pois tenho que conferir, cédula por cédula, a polpuda grana que recebi hoje por ter acertado sozinho o último sorteio da mega sena acumulada. Não é verdade Terta?... 
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Célio Simões de Souza é paraense, advogado, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro da Academia Paraense de Letras, membro e ex-presidente da Academia Paraense de Letras Jurídicas, fundador e ex-vice-presidente da Academia Paraense de Jornalismo, fundador e ex-presidente da Academia Artística e Literária de Óbidos, membro da Academia Paraense Literária Interiorana e da Confraria Brasileira de Letras, em Maringá (PR). Foi juiz do TRE-PA, é sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós, fundador e membro da União dos Juristas Católicos de Belém e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

Fonte:
Enviado pelo autor
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Arthur Thomaz (Filosofando com Cronos)

Durante minha habitual conversa com as plantas e animais, eis que, surpreendentemente, surge Cronos.

O que poderia trazer um Deus tão poderoso ao convívio de um simples mortal? 

Perguntei-me.

Antes que eu o saudasse foi logo dizendo que tinha lido meu livro e percebera muitas incertezas minhas sobre determinados temas. 

Como se movimentava incessantemente, cometi o equívoco em pedir para ele parar um pouco, a fim de que eu pudesse prescrutar seu olhar.

Sorrindo, me alertou que o tempo aos humanos só para com a morte.

Pedi-lhe, então, que continuasse a movimentar-se sem cessar.

Para me redimir da tolice comentei que a meu ver, ele era o maior dos deuses por ter existido desde os primórdios. 

Retrucou, mansamente, dizendo que os gregos erraram em afirmar que ele só começara a existir depois do Caos. Obviamente, o tempo também existira durante esse período.

Concordei e disse a ele que agradecia o fato de ter vindo sem a assustadora foice com que era retratado.

Ignorou meu comentário e prosseguiu dizendo que os mortais, desde o início, tentaram rotulá-lo, aplicando fórmulas e mensurando-o em século, ano, mês, dia, hora, minuto e até segundos, numa clara tentativa de imputar a ele o conceito de transitoriedade. Ou seja, impondo-me um início, meio e fim. 

Completou ele afirmando que ninguém aprisiona o tempo.

Com um tom debochado, disse que eu enumerasse a quantidade de filósofos e pensadores que tentaram defini-lo sem sucesso elaborando muitas fantasias a respeito.

Eu disse que algumas vezes também havia tentado infrutiferamente, materializá-lo. 

Riu e continuou contando que durante muito tempo no planeta Terra vagara sozinho, sem nenhuma forma de vida como companhia, o que o levou quase à loucura, e que hoje procura seres excêntricos para dialogar.

Tomei isso como um elogio e perguntei como ele se definia.

“Amigo, eu sou exatamente o seu pensamento a meu respeito, conceito este que só perdurará enquanto você viver”, respondeu-me, com muita convicção. 

Pedi que comentasse a expressão muito usada entre os humanos "até o fim dos tempos". Sorriu e classificou-a de esdrúxula. Não houve início nem haverá fim, os que tentam me conter ou modificar, passarão e eu continuarei .

Ainda havia mais algumas dúvidas, mas brincou citando outra frase muito utilizada "o tempo voa". Sorriu, envolveu-me em um abraço e partiu, prometendo voltar assim que tivesse um "tempinho".

Desapareceu com uma demorada gargalhada.

Passei mais alguns momentos com as plantas e levei muito tempo refletindo a respeito do que conversamos.
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Arthur Thomaz é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Poeta e escritor, Publicou os livros: “Rimando Ilusões”, “Leves Contos ao Léu – Volume I, “Leves Contos ao Léu Mirabolantes – Volume II”, “Leves Contos ao Léu – Imponderáveis”, “Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios”, “Leves Contos ao Léu – Insondáveis”, “Rimando Sonhos” e “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro”.

Fontes: 
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: mirabolantes. Volume 2. Santos/SP: Bueno Editora, 2021. Enviado pelo autor 
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04 abril 2025

Asas da Poesia * 2 *

   
 Poema de
MACHADO DE ASSIS 
Rio de Janeiro/RJ, 1839 – 1908

Mundo interior

Ouço que a natureza é uma lauda eterna
De pompa, de fulgor, de movimento e lida,
Uma escala de luz, uma escala de vida
De sol à ínfima luzerna.

Ouço que a natureza, — a natureza externa, —
Tem o olhar que namora, e o gesto que intimida
Feiticeira que ceva uma hidra de Lerna
Entre as flores da bela Armida.

E contudo, se fecho os olhos, e mergulho
Dentro em mim, vejo à luz de outro sol, outro abismo
Em que um mundo mais vasto, armado de outro orgulho,

Rola a vida imortal e o eterno cataclismo,
E, como o outro, guarda em seu âmbito enorme,
Um segredo que atrai, que desafia — e dorme. 
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Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Casulo de vidro

Ofusca-me a visão
Esses encontros com o espelho
A dualidade entre o passado
E o  presente, repleto de ausências,
Dos traços envoltos em brumas
O doloroso mergulho:
Quebrar o espelho
Sem fragmentar a essência
Sentir na pele, a lâmina que corta
E recorta - cura -
Desfalecer de dor
No silenciar da alma,
Na solidão do "casulo de vidro"
Buscando respostas
Na sequência de pétalas eternas-
“Flor da Vida”-
Aroma de bálsamo –
Aquietando meu coração.
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Poetrix de
PEDRO CARDOSO
Brasília/DF

Outono 

as folhas amareladas
dizem que o meu coração
mudou de estação
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Poema de
DOMINGOS FREIRE CARDOSO
Ilhavo/ Portugal

Sou um cansaço que findou no sono
(Narciso Alves Pires, in “Para além do adeus”)

Sou um cansaço que findou no sono
Da tarde triste em que morreu o dia
E quando a noite o meu corpo acolhia
O sol desceu do seu dourado trono.

A doce paz nasceu desse abandono
Mistura de mistério e nostalgia
E, aos poucos, o meu ser desfalecia
Como folha que tomba pelo Outono.

A mansidão abraça-se ao sossego
E eu fico numa luz, num aconchego
Como nunca, em meus dias, eu vivi.

O tempo foi passando devagar
E não sendo eu capaz de me acordar
Só então é que eu soube que morri.
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Soneto de
OLAVO BILAC
Rio de Janeiro/RJ, 1865 – 1918

Ida

Para a porta do céu, pálida e bela,
Ida as asas levanta e as nuvens corta.
Correm os anjos: e a criança morta
Foge dos anjos namorados dela.

Longe do amor materno o céu que importa?
O pranto os olhos límpidos lhe estrela...
Sob as rosas de neve da capela,
Ida soluça, vendo abrir-se a porta.

Quem lhe dera outra vez o escuro canto
Da escura terra, onde, a sangrar, sozinho,
Um coração de mão desfaz-se em pranto!

Cerra-se a porta: os anjos todos voam...
Como fica distante aquele ninho,
Que as mães adoram... mas amaldiçoam!
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Trova de 
ADEMAR MACEDO
Santana do Matos/ RN, 1951 – 2013, Natal/ RN

A distância nos redime 
se a saudade nos escolta; 
ir pra longe é tão sublime 
como sublime é a volta!
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Poema de
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/ Portugal

Teu nome

Fecho os olhos pela luz dos teus
A escuridão tem o teu nome
Quando chegas sem pedir licença.

Trazes nos gestos a graciosidade da açucena
Um brilho distinto de beleza sem mácula
Vontade projetada pelo fulgor dos sentidos.

Tudo o que vejo, tudo o que sinto
É um sorriso, um ansiado aroma teu
Um olhar suspenso no tempo
Naquele dia onde esmoreceu.

Abro os olhos de ofuscada saudade.
O que me falta em palavras
Sobra-me de teus gestos ausentes!
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Haicai de
GUILHERME DE ALMEIDA
Campinas/SP 1890 – 1969 São Paulo/SP

O Pensamento

O ar. A folha. A fuga.
No lago, um círculo vago.
No rosto, uma ruga.
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Poema de
MÁRIO QUINTANA
Alegrete/RS (1906 – 1994) Porto Alegre/RS

Saudade

Que me dizias, Augusto Meyer,
naquele tempo que não passa,
na mesa, junto à vidraça,
naquele bar que era um barco?

Por ela passavam mares,
passavam portos e portos,
ali que os ventos ventavam,
dos quatro cantos do mundo!

O que dizíamos? Sei lá!
não falemos em nossas vidas...
nem, por nós, se salvou o mundo...

Mas, Amigo, eu sei que tenho
— naquelas horas perdidas —
o meu ganho mais profundo!
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Hino de
ANAHY/ PR

Neste solo gentil dadivoso
Onde outrora o café imperou
O pioneiro com seu braço valoroso
O agreste sertão desbravou
Na clareira do mais puro encanto
A capela de Sant'Ana se ergueu
e anunciando o progresso ao recanto
Anahy majestosa nasceu

Na lavoura a magia singela
O algodão canta um hino de amor
Com o milho e a soja tão bela
Revezando com o trigo em flor
Qual presentes da mãe natureza
A irrigar as riquezas daqui
Correm rios da mais alva beleza
Irmanados ao rio Piquiri

Tuas portas estão sempre abertas
Acolhendo com carinho e afeição
Todo aquele que procura rotas certas
Aqui encontra abrigo e união
Anahy és um exemplo seguro
A inspirar este povo gentil
No labor construindo o futuro
E a grandeza do nosso Brasil
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Soneto de
BENEDITA AZEVEDO
Magé/ RJ

Meu primeiro amor

Lembras nosso primeiro carnaval?
Eu dançava no corso na avenida...
Ao me vês acenaste da calçada
A música era bela e original.

Ao ver-te disparou meu coração,
O amor que despertava no momento
Sob o som da marchinha, e o sentimento,
Trouxe à minha alma muita inquietação.

Cheguei naquele dia no trabalho,
Mas teu olhar em fuga deixou o meu
Percebi que sentias tal qual eu.

Meu amor que nasceu sob o orvalho,
Deu frutos, em dois filhos que gerou,
E em cinco netos o amor eternizou
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Trova de
CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/ SP, 1945 – 2021, Santos/ SP

Imensidões veneráveis, 
que me fazem navegar, 
céu e mar, inseparáveis, 
na linha do meu olhar.
= = = = = = = = = 

Uma Lengalenga de Portugal
O QUE ESTÁ NA GAVETA?
 
 O que está na gaveta?
Uma fita preta.
O que está na varanda?
Uma fita de ganga
O que está na panela?
Uma fita amarela
O que está no poço?
Uma casca de tremoço
O que está no telhado?
Um gato malhado
O que está na chaminé?
Uma caixa de rapé
O que está na rua?
Uma espada nua
O que está atrás da porta?
 Uma vara torta
 
O que está no ninho?
Um passarinho
Deixa-o no morno
 Dá-lhe pãozinho.
Vamos ver se ele pia?
Piuuuuuuuuuuuuuu!
= = = = = = = = =  

Quadra Popular de
FERNANDO MÁXIMO
Avis/ Portugal

Cria um filho para ser
paladino das verdades,
não o cries para ter
vícios… defeitos… maldades…
= = = = = = = = =  

Soneto de
MÁRIO A. J. ZAMATARO
Curitiba/PR

Ingenuidade

Quero ter a minha voz
pra dizer abertamente
que uma farsa aperta os nós
e disfarça impunemente!

E direi como é feroz,
como faz tranquilamente
o papel doce de algoz
e se crê ser inocente.

Usa a lei como sofisma,
tem acordo com a ilusão
pra fazer cavilação.

Quer impor sempre o seu prisma
e não vê nisso maldade,
deve ser ingenuidade!

Bisa Maith (O Patinho Perdido)


A pata saiu do ninho com seus filhotes recém-nascidos. Estava feliz como toda a mãe que acaba de ter um filho.

Saiu pelo terreiro com sua prole mostrando-lhes a beleza do mundo onde iam viver, o grande quintal, as árvores, a relva verdinha. Levou-os depois ao lago para ensinar-lhes a nadar.
  
Os pimpolhos adoraram a água e nem foi preciso a mãe ensinar, num instante já estavam todos nadando.

De repente a pata levou um susto. Contando os patinhos a sua volta, constatou que faltava um. Eram doze a ali só estavam onze.

Onde estaria o outro? Será que afogou-se?

Impossível! Os patos já nascem sabendo nadar. Nunca se ouviu contar de um pato que se afogasse num lago tranquilo como aquele.

Desesperada a pata chamou os patinhos e saiu correndo para procurar o filhinho perdido.

Encontrando o pato disse-lhe:

- Querido, sumiu um de nossos bebês! Vamos procurá-lo juntos.

Mas o pato, displicente, respondeu:

- Ora, deixe disso. Com certeza o gato o pegou. Não adianta nada continuar procurando.

- Você é um pato sem coração! Onde já se viu falar assim do seu filho?

- Nos ainda temos onze, meu amor, prá que precisamos de mais um?

Vendo que nada adiantava ficar ali discutindo com o pato a pata continuou seu caminho.
Encontrou, pouco depois, o galo:

- Bom dia, seu galo! Eu perdi o meu patinho! Será que você podia me ajudar a procurá-lo?

- Eu? Imagine! Está pensando que não tenho nada mais importante para fazer do que caçar patos perdidos?

Mais adiante, o peru respondeu ao seu cumprimento com um glu-glu de pouco caso e um orgulhoso arrepiar de penas.

Nem adiantava pedir ajuda a ele. A pata estava só com a sua dor e ainda preocupada com os outros patinhos, tão novinhos, que ela estava obrigando a uma exaustiva correria.

E, então, encontrou a galinha choca que acaba de sair de seu ninho com os pintainhos;

Vendo a pata, amável, lhe disse;

- Vejo que também está com os filhinhos novos, eles são lindos.

A pata contou-lhe rapidamente a sua odisséia e ela, solícita, ofereceu-se:

- Deixe os patinhos comigo enquanto vai continuar a sua busca. Tomara que você encontre logo o seu filhinho!

A pata, agora desembaraçada correu por todo lado, examinou todos os cantos até que ouviu um piadinho muito fraco vindo de uma moita.

Achara o patinho! Ele se enroscara em um ramo e não conseguira sair sozinho.]

Vendo que ele estava bem a mãe respirou aliviada, foi buscar os outros filhotes e, todos juntos, foram ao ninho para o merecido descanso noturno.

No dia seguinte a Dona comentou com o marido:

- Aconteceu uma coisa estranha ontem. Quando fui tratar dos animais a galinha choca veio comer e os patinhos estavam junto com os pintinhos. Ela alimentou-os do mesmo modo que fez com os seus. Não sei para onde tinha ido a pata, mas hoje de manhã ela já estava com os patinhos e a galinha com os pintinhos.

O dono deu uma risada:

- Você e suas histórias! Esta galinha deve ser muito idiota para não saber distinguir um pinto de um pato! E a pata então, uma irresponsável que larga os patinhos por ai e vai passear.

- Não fale assim! Achei tão bonito! A galinha parecia uma mãe adotiva. Não sabemos o porquê do sumiço da pata. Tenho certeza de que ela não abandonou os patinhos. Eu, ás vezes penso que os animais não são tão irracionais como pensamos.

-Você é mesmo uma romântica!

LIÇÕES
A PATA = Uma mãe é capaz de qualquer sacrifício para salvar um filho.
O PATO: Um pai omisso como muitos.
O GALO: Indiferente e preguiçoso
O PERU: Vaidoso, cheio de empáfia, mas inútil.
A GALINHA: Prestativa e boa. Uma mãe que entende a aflição de outra e procura ajudar.
O DONO: Olhe lá os julgamentos ....!
A DONA: O romantismo é a realidade em traje de festa!

Fonte:
Publicado em 1 de julho de 2006 na Ciranda das Flores e dos Bichos, no Sorocultinho, da Academia Sorocabana de Letras.
Imagem: Microsoft Bing

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