07 junho 2025

Asas da Poesia * 37 *


Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/ RS, 1932 – 2013, São Paulo/ SP

A grandeza imaginária
que todo vaidoso tem,
é uma estrela solitária
brilhando sobre... ninguém... 
= = = = = =

Soneto de
ANTERO DE QUENTAL
Ponta Delgada/Portugal, 1842 – 1891

Uma Amiga

Aqueles que eu amei, não sei que vento
Os dispersou no mundo, que os não vejo...
Estendo os braços e nas trevas beijo
Visões que a noite evoca o sentimento...

Outros me causam mais cruel tormento
Que a saudade dos mortos... que eu invejo...
Passam por mim... mas como que tem pejo
Da minha soledade e abatimento!

Daquela primavera venturosa
Não resta uma flor só, uma só rosa...
Tudo o vento varreu, queimou o gelo!

Tu só foste fiel - tu, como dantes,
Inda volves teus olhos radiantes...
Para ver o meu mal... e escarnece-o!
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Trova de
NEIDE ROCHA PORTUGAL
Bandeirantes/PR

Tua cantiga de amor
adormece em tempos idos,
mas o vento, a meu favor,
vem soprá-la em meus ouvidos!
= = = = = = 

Poema de
MYRTHES MAZZA MASIERO
São José dos Campos/SP

Duelo íntimo

Esta noite
Fora do meu costume,
Eu me nego a me deitar nessa cama vazia
Enrolada nos restos de tua ausência
Prolongada
E sempre impune...

Esta noite
Prefiro dormir sozinha e encurralada
Neste abandono
Sob a coberta pesada
De minhas emoções extenuadas,
No chão frio do meu sono...

Prefiro qualquer coisa
Que ficar nesta noite sem fim,
A esperar que tua ausência
Tão presente e contínua,
Estenda sobre mim,
Neste corpo sem dono,
Os restos mortais de um amor
Desgastado, esfarrapado
E em ruína!
= = = = = = 

Trova de
ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG
São Fidélis/RJ

Procura longa e constante,
num sempre querer achar…
Um sonho louco e distante,
impossível de alcançar…
= = = = = = 

Soneto de
EUCLIDES DA CUNHA
Cantagalo/RJ, 1866 – 1909, Rio de Janeiro/RJ

Dedicatória

Se acaso uma alma se fotografasse
de sorte que, nos mesmos negativos,
A mesma luz pusesse em traços vivos
O nosso coração e a nossa face;

E os nossos ideais, e os mais cativos
De nossos sonhos... Se a emoção que nasce
Em nós, também nas chapas se gravasse
Mesmo em ligeiros traços fugitivos;

Amigo! tu terias com certeza
A mais completa e insólita surpresa
Notando - deste grupo bem no meio -

Que o mais belo, o mais forte, o mais ardente
Destes sujeitos é precisamente
O mais triste, o mais pálido, o mais feio.
= = = = = = = = = 

Trova de
PROFESSOR GARCIA
Caicó/RN

A poesia se engalana,
mas só se torna completa,
quando se faz soberana
na voz do próprio poeta!
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Poema de
CECÍLIA MEIRELES
Rio de Janeiro/RJ, 1901 – 1964

Herança

Eu vim de infinitos caminhos,
e os meus sonhos choveram lúcido pranto
pelo chão.

Quando é que frutifica, nos caminhos infinitos,
essa vida, que era tão viva, tão fecunda,
porque vinha de um coração?

E os que vierem depois, pelos caminhos infinitos,
do pranto que caiu dos meus olhos passados,
que experiência, ou consolo, ou prêmio alcançarão?
= = = = = = 

Trova de 
WANDA DE PAULA MOURTHÉ
Belo Horizonte/MG

Alegrias coleciono
neste meu tardio amor.
É na colheita do outono
que os frutos têm mais sabor.
= = = = = = 

Poema de 
GUILHERME DE ALMEIDA 
Campinas/SP, 1890-1969, São Paulo/SP

Nós, I

O pequenino livro, em que me atrevo
a mudar numa trêmula cantiga
todo o nosso romance, ó minha amiga,
será, mais tarde, nosso eterno enlevo.

Tudo o que fui, tudo o que foste eu devo
dizer-te: e tu consentirás que o diga,
que te relembre a nossa vida antiga,
nos dolorosos versos que te escrevo.

Quando, velhos e tristes, na memória
rebuscarmos a triste e velha história
dos nossos pobres corações defuntos,

que estes versos, nas horas de saudade,
prolonguem numa doce eternidade
os poucos meses que vivemos juntos.
= = = = = = 

Trova de
ZAÉ JÚNIOR
Botucatu/SP, 1929 – 2020, São Paulo/SP

Das estações, a mais triste,
a que mais me causa dor,
é a primavera que existe
num coração já sem flor!
= = = = = = 

Hino de
TUPÃSSI/ PR

Na planície verdejante e ondulada
Na paisagem mais linda que há
Tu nasceste Tupãssi adorada
Filha altiva do gigante Paraná
Na clareira da floresta então aberta
Na marcha rumo à civilização
Implantaram esta cívica oferta
Que será eterna em nosso coração.

Quanto amor na ideal trajetória
Da lavoura eclodindo no chão
A mostrar que o labor traz a vitória
Dos que lutam com fé e união
Terra da mãe de Deus, Tupãssi.
Minha vida e meu bem querer
Outra igual juro que nunca vi
Sou teu filho e por ti vou viver.

Os verdes campos de riquezas colossais
Nos garantem um futuro alvissareiro
Com ajuda de braços leais,
Nós seremos um grande celeiro
Um amanhã radiante este é o tema
Desta terra de paz e esplendor
Pois unidos venceremos, eis o lema.
De um povo capaz e lutador.
= = = = = = 

Trova Premiada de
RITA MARCIANO MOURÃO 
Ribeirão Preto/SP

Tiro a máscara e ouço aflita,
de um mar de farsas sem fim,
meu outro eu que ainda grita
por vida dentro de mim.
= = = = = = 

Poema de
MARTINS FONTES
Santos/SP, 1884 – 1937

O que se Escuta numa Velha Caixa de Música

Nunca roubei um beijo. O beijo dá-se,
ou permuta-se, mas naturalmente.
Em seu sabor seria diferente
se, em vez de ser trocado, se furtasse.

Todo beijo de amor, longo ou fugace,
deve ser u prazer que a ambos contente.
Quando, encantado, o coração consente,
beija-se a boca, não se beija a face.

Não toquemos na flor maravilhosa,
seja qual for a sedução do ensejo,
vendo-a ofertar-se, fácil e formosa.

Como os árabes, loucos de desejo,
amemos a roseira, olhando a rosa,
roubemos a mulher e não o beijo.
= = = = = = = = =  

Trova de
ADOLFO MACEDO
Magé/RJ

Condeno toda arbitragem
que muda as regras da história...
- Vencer no grito é vantagem,
mas sem gosto de vitória.
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Soneto de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Rosa de sangue

Dom sublime, a Poesia furta ao solo
as almas simples que Deus prestigia.
E transforma um pigmeu num louro Apolo,
glorificado à luz que não pedia!

Poesia é mãe que o filho abraça e ao colo
recolhe a dor que o peito lhe crucia.
Terno traço de união de polo a polo,
é sol na treva... é luar, em pleno dia!

Poesia é amar a própria angústia! É erguer
a taça da amargura e, sem morrer,
sorve-la, gota a gota, em noite incalma!

É estigma? É carisma? Glória ou cruz?
Poesia é estranha rosa, que seduz:
- Rosa de Sangue... com perfume de Alma!
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Quadra Popular de
AUTOR ANÔNIMO

Lá no céu caiu um cravo
de tão grande desfolhou.
Quem não amou neste mundo
no outro não se salvou.
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Soneto de
VINICIUS DE MORAES
Rio de Janeiro/RJ, 1913 – 1980

Soneto da desesperança

De não poder viver sua esperança
Transformou-a em estátua e deu-lhe um nicho
Secreto, onde ao sabor do seu capricho
Fugisse a vê-la como uma criança.

Tão cauteloso fez-se em seus cuidados
De não mostrá-la ao mundo, que a queria
Que por zelo demais, ficaram um dia
Irremediavelmente separados.

Mas eram tais os seus ciúmes dela
Tão grande a dor de não poder vivê-la,
Que em desespero, resolveu-se: - Mato-a!

E foi assim que triste como um bicho
Uma noite subiu até o nicho
E abriu o coração diante da estátua.
= = = = = = = = =  

Trova de
HENRIETTE EFFENBERGER
Bragança Paulista/SP

A paz nem sempre é perfeita,
esconde-se em descaminhos,
entre dores, fica à espreita,
como rosa entre os espinhos.
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Poema de
CASTRO ALVES
Freguesia de Muritiba (hoje, Castro Alves)/BA (1847 – 1871) Salvador/BA

Bárbara

Erguendo o cálix que o Xerez perfuma.
Loura a trança alastrando-lhe os joelhos,
Dentes níveos em lábios tão vermelhos,
Como boiando em purpurina escuma;

Um dorso de Valquíria... alvo de bruma,
Pequenos pés sob infantis artelhos,
Olhos vivos, tão vivos, como espelhos,
Mas como eles também sem chama alguma;

Garganta de um palor alabastrino,
Que harmonias e músicas respira...
No lábio - um beijo... no beijar - um hino;

Harpa eólia a esperar que o vento a fira,
- Um pedaço de mármore divino...
- É o retrato de Bárbara - a Hetaira. 
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Trova de
JESSÉ NASCIMENTO
Angra dos Reis/RJ

À mesa, família unida;
passou o tempo e, afinal,
cada um no lar, na vida,
vive em mundo digital...
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Poemeto de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

As folhagens agitadas
sentem o frescor
do crepúsculo
que vai de encontro
ao horizonte, enquanto
gaivotas repousam
no pôr do sol.
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Trova de
JOSÉ TAVARES DE LIMA
Juiz de Fora/MG

Ajuda os de mãos vazias,
porque colheita não temos
igual à das alegrias
que vêm do bem que fazemos!…
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Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/ SP

Não me esqueço…

Não me esqueço dos versos comoventes
que escrevi com perene inspiração,
quando vivi nos chapadões florentes
da minha terra em meio do Sertão.

Depois, parti... Sofri dores pungentes
numa luta sem fim de solidão.
Desolado, vivi dias ingentes
e se caí, jamais fiquei no chão.

Vejo, porém, que os meus cabelos brancos
são apenas troféu para consolo
de quem viveu aos trancos e barrancos...

Desafiei a vida, estou cansado,
só resta agora um pensamento tolo;
sou poeta, sou livre e aposentado.
= = = = = = = = =  

Trova de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

– Depressa!… A bolsa ou a vida.
– Mas, que sufoco, senhor!…
Diz a livreira polida.
– Não sabe o nome do autor?
= = = = = = = = =  

Poema de
CÉLIA EVARISTO
Lisboa/ Portugal

No silêncio de um olhar

É na distância de um primeiro olhar
que se dá o primeiro beijo,
tímido, 
desajeitado,
por vezes estranho
e outras delicado,
deixando um arrepio na pele,
sem que os lábios 
se tenham verdadeiramente tocado.

Palavras ditas no silêncio,
gestos sentidos sem tocar,
um misto de sentimentos
sentidos num simples olhar. 

Sem fronteiras,
outras barreiras,
sem obstáculos a transpor.
Apenas um coração aberto,
tão cheio de amor.

Por mais breve que seja um olhar
poderá prender, 
cativar,
poderá ser, 
estar,
querer,
sonhar.

Olha-me com atenção
e, no pleno silêncio das nossas vozes,
ouve o meu coração.
= = = = = = = = =  

Trova de
SUELY BRAGA
Osório/RS

Muitas rosas só não falam.
      Não nos ferem com espinhos.
      Um doce perfume exalam
      e nos cobrem de carinhos.
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Poema de
SILMAR BOHRER
Caçador/SC

Oh sorte!

As rimas andam ausentes
nestas primícias de agosto,
estarão - será - descontentes
ou mesmo com algum desgosto ?

Não consigo os mais saborosos
dos meus versos companheiros,
por isso andam desgostosos
aqueles versinhos brejeiros.

Um versejador de pés-quebrados
não pode querer assim tantos
mais do que uns mal rimados,

Mas oh sorte, a Poesia tem benevolência
me borrifando com seus encantos
algum bálsamo pura essência.
= = = = = = = = =  

Poeminha de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

E agora, vovô?
– Agora,
nas mãos dos netos,
sou que nem ioiô. 
= = = = = = = = =  

Soneto de
JÉRSON BRITO
Porto Velho/ RO

Coração errante
 
Reinado de infinitas amarguras
És tu, meu coração débil, sofrido.
Demais amaste e, não correspondido
Como antes não sorris, não mais fulguras.
 
Lamentas tuas tristes desventuras
No lúgubre jardim já ressequido,
Em vão buscas o aroma outrora haurido,
Nas barras da saudade te enclausuras.
 
Fizeste das lembranças o universo
Repleto de plangência, enfim, perverso
Onde há daquela luz rasto pequeno.
 
Entendo que vagueies sem consolo,
Seria assaz injusto se por tolo
Tivesse quem está de amor tão pleno.
= = = = = = = = =  

Poetrix de
GOULART GOMES
Salvador/BA

Pessoix

um terço de mim delira
um terço de mim pondera
outro terço: ah! quem dera!
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Soneto de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Quem me alimenta

Quando alguém se esvai de  mim, há  alguém que  entra, 
mas minha alma se transforma em gratidão.
Nunca esqueço quem deu, ao meu, coração,
a afeição por cada irmão que nele  adentra.

Quem se alimenta do que eu amo, me alimenta, 
não  violenta meu amor com desesperos; 
o que é  sensível  não carece dos esmeros 
de quem se enfeita com a mais fútil vestimenta.

Coloquial,  o meu amor sempre evita 
erudições, porque a vil demagogia 
é  prima-irmã de qualquer vã diplomacia 

que faz do amor, a indiferença que o  habita
e o transforma num  relógio  emperrado
sobre o silêncio de um balcão... abandonado.
= = = = = = = = =  

Trova de
ANDRÉ RICARDO ROGÉRIO
Arapongas/PR

Quando, então, do céu descer
um brilho no seu olhar,
é porque no entardecer 
meus sonhos vão te buscar.
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Poema de
J. G. DE ARAÚJO JORGE
Tarauacá/AC (1914 – 1987) Rio de Janeiro/RJ

A luz

Ela veio...( E a minha alma tinha a porta
aberta, e ela entrou...Casa vazia
e estranha, esta que em plena luz do dia
lembrava a tumba de uma noite morta...)

Que ela havia chegado, eu nem sabia...
Mas, pouco a pouco, e a data não importa,
minha alma, por encanto, se conforta,
e há risos pela casa...E há alegria...

Quem abrira as janelas? Quem levara
o fantasma da dor sempre ao meu lado?
Os antigos retratos, quem rasgara?

E acabei por fazer a descoberta:
- ela espantara as sombras do passado
e a luz entrara pela porta aberta!
= = = = = = = = =  

Trova de
ANTONIO JURACI SIQUEIRA
Belém/PA

O homem sofre ante os impulsos
das religiões e das ciências
pois pior que algemar pulsos,
é agrilhoar consciências!...
= = = = = = = = =  

Poema de
ÓGUI LOURENÇO MAURI
Catanduva/SP

A cor dos olhos dela

O matiz dos olhos dela é uma pintura,
Mais parece um manso lago transparente;
Onde o azul das águas traça a formosura,
Misturado ao verde do meio ambiente.
       
Em seus olhos, vejo um lago cristalino,
Sem perder o verde, réplica do céu...
Quando chove, lembra o choro repentino
Da saudade que ela tem de mim, ao léu.
            
Traz, a cor dos olhos dela, tal beleza,
Um requinte de magia sem igual;
Predomina o verde tom da Natureza,
Com o anil do céu a dar toque final.
             
Este lago azul, matiz verde ao redor,
Normalmente calmo, sofre oscilação.
Vem com seus revoltos que já sei de cor,
Presos aos ditames de seu coração.
              
Foi, a cor dos olhos dela, o atrativo
Que me pôs sob os grilhões de seu fascínio...
Que em meu peito fez lugar mais que exclusivo;
Coração meu, à mercê de seu domínio! 
= = = = = = = = =

Trova de
ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP

A casinha é sem riqueza,
mas nela a paixão é tanta,
que não floresce a tristeza.
Solidão… a gente espanta!
= = = = = = = = =  

Soneto de
EDY SOARES
Vila Velha/ES

Além mar

Há mesmo quem diga que o mar tem mistérios
jamais desvendados por seus navegantes; 
que a Terra, no centro dos seus hemisférios,
além de quaisquer profundezas distantes,

conserva um lugar, o maior dos impérios,
sob a proteção das carrancas gigantes,
que impedem de entrar os krakens deletérios, 
e acolhe em seu seio os marujos errantes...

O certo é que as ondas que espraiam, pacatas, 
irmãs das tormentas que afundam fragatas, 
não trazem notícias do abismo profundo...

E enquanto as procelas sacodem navios
que ainda navegam nos mares bravios
os náufragos dormem no fundo do mundo.
= = = = = = = = =

José Feldman (Os Rabugentos)


Na praça central da cidade, dois rabugentos, Seu Arlindo e Dona Eulália, se encontravam todos os dias no mesmo banco, discutindo sobre tudo e sobre nada.

— Olha só, Arlindo! — começou Dona Eulália, ajeitando os óculos. — Você viu o que estão fazendo com as festas de São João? Agora têm até DJ! DJ! No meu tempo, a gente tinha sanfona e fogueira, e era assim que dançava!

Arlindo bufou, cruzando os braços. — DJ? Bah! Isso é coisa de jovem que não sabe o que é música de verdade! Antigamente, a gente dançava forró de verdade, e não essa barulheira eletrônica!

— Barulheira? — Eulália riu, sarcástica. — E você acha que o seu forró de antigamente era suave como um sussurro? Eu me lembro das suas tentativas de dançar! Mais parecia um pato desengonçado!

Arlindo arregalou os olhos. — Pato? Eu era um verdadeiro galã! As meninas se derretiam ao me ver dançar! E você, com seu vestido de chita, parecia um buquê de flores murchas!

— Ao menos eu não precisava de um milagre para fazer os outros dançarem! — Eulália respondeu, dando uma risadinha. — As moças se divertiam, ao contrário de você, que ficava parado, esperando a música acabar!

Arlindo fez uma expressão de indignação. — Parado? Você se esqueceu do meu famoso “passo do relógio”? Era um sucesso! Todo mundo imitava!

— Sucesso? Só se foi sucesso para as formigas que você pisoteou! — Eulália gargalhou. — Lembro que uma vez, você quase derrubou a mesa de comes e bebes!

Arlindo apontou o dedo para ela. — E você, com seu jeito de crítica de arte, que só sabia reclamar da comida! “Não tem sabor!”, “não tem tempero!” Ah, Eulália, você era a rainha da reclamação!

— E você, o rei da nostalgia! — replicou Eulália, com um sorriso malicioso. — Fica falando do passado como se fosse um conto de fadas, mas eu lembro bem! O que você chamava de “aventuras” eram na verdade escapadas com a sua bicicleta quebrada!

— Era uma bicicleta clássica! — Arlindo defendeu, balançando a cabeça. — E quem mais teria coragem de descer aquela ladeira sem freios? Aquilo, minha cara, era emoção!

— Emoção? Ou seria imprudência? — Eulália riu, se divertindo com a lembrança. — Eu me lembro do dia em que você quase se atirou no lago! Quase foi um “peixe fora d’água”!

Arlindo ficou pensativo. — É, mas pelo menos eu fiz história! E agora? O que você tem feito? Apenas ficar aqui reclamando da vida?

— Olha, se a vida atual é isso que a gente vê por aí, eu prefiro o passado! A internet? Uma invenção do diabo! Olha a juventude, todos com as cabeças enfiadas em telas!

— E o que você propõe? Que voltemos a escrever cartas? — Arlindo disse, levantando as sobrancelhas. — A última vez que você escreveu uma carta foi para reclamar do seu sofá!

— E que sofá! — Eulália exclamou. — Você se lembra? Aquele sofá tinha mais buracos que um queijo suíço! E você dizia que era “vintage”!

— Vintage é uma palavra moderna! — Arlindo gritou, gesticulando. — Na minha época, a gente chamava de “velho”! E não precisava de palavras chiques para isso!

— E se eu chamasse você de “vintage”? — Eulália perguntou, com um sorriso travesso. — Porque se você não parar de reclamar, vou ter que te colocar em uma vitrine!

— Ah, não se preocupe! Eu não sou tão fácil de ser colocado em uma vitrine! — Arlindo respondeu, piscando. — A última vez que tentei entrar em uma, quase me machuquei!

Dona Eulália se virou para ele, segurando o riso. — Eu só espero que, se um dia você for para uma vitrine, não coloque uma placa dizendo “não toque”! Porque as pessoas podem acabar acreditando!

Arlindo bufou novamente. — Sabe de uma coisa, Eulália? Apesar de tudo, você me faz rir. Mesmo que eu tenha que aguentar suas histórias do passado.

— E você, Arlindo, me faz lembrar que o presente é só uma forma de eu me divertir com os seus devaneios! — Eulália respondeu, piscando.

Os dois velhos rabugentos continuaram a discutir, mas a verdade é que, no fundo, eles sabiam que a amizade que construíram ao longo dos anos era mais forte que qualquer angústia do presente ou nostalgia do passado. E, assim, entre risadas e provocações, o dia passava na praça, onde o passado e o presente se encontravam numa dança cômica e eterna.
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
JOSÉ FELDMAN nasceu na capital de São Paulo. Poeta, trovador, escritor e gestor cultural. Formado em patologia clínica trabalhou por mais de uma década no Hospital das Clínicas. Foi enxadrista, professor, diretor, juiz e organizador de torneios de xadrez a nível nacional durante 24 anos; como diretor cultural organizou apresentações musicais. Casado com a escritora, poetisa, tradutora e professora da UEM, Alba Krishna, mudou-se em 1999 para o Paraná, morou em Curitiba e Ubiratã, e depois em Maringá/PR desde 2011. Consultor educacional junto a alunos e professores do Paraná e São Paulo. Pertence a diversas academias de letras, como Academia Rotary de Letras, Academia Internacional da União Cultural, Confraria Luso-Brasileira de Trovadores, Academia de Letras de Teófilo Otoni, etc, possui os blogs Singrando Horizontes desde 2007, e Pérgola de Textos, um blog com textos de sua autoria, Voo da Gralha Azul e Gralha Azul Trovadoresca. Assina seus escritos por Floresta/PR. Publicou de sua autoria 4 ebooks.. Dezenas de premiações em poesias e trovas no Brasil e exterior.

Fontes:
José Feldman. Pérgola de Textos. Floresta/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

Asas da Poesia * 46 *

Poema de LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE Pinhalão/PR Tuas Mãos "Tua mão esquerda está sob minha cabeça, e tua direita abraça-me " (Ct.8....