02 junho 2025

Carlos Leite Ribeiro (O Relógio, um conto real)


Naquele Fim de Ano, a minha sogra avisou-nos que, ao contrário do habitual, não o passaria conosco, pois tinha recebido um convite de uma amiga do Algarve.

Simpaticamente, não se esqueceu de mandar uns presentinhos ao neto (ainda era só um), à filha e ao seu “querido genro” (que era eu).

Quando minha esposa me disse que a mãe (dela) ia mandar-me um presente, confesso que tive um “toque no coração” e logo interroguei-me: “ Que se passará com aquela querida sogrinha que me vai mandar uma lembrança?”.

Quando os presentes chegaram, naturalmente as embalagens foram logo abertas. O meu presente tinha uma linda embalagem e um lindo relógio de mostrador azul lá dentro. Eu nem queria acreditar em tal sorte. Tirei o dito cujo dentro da embalagem e, como naquele tempo os relógios trabalhavam a corda, comecei a rodar a respectiva carrapeta, mas, por mais que o rodasse, o relógio não trabalhava. Resolvi telefonar para o Algarve para lhe perguntar em que ourivesaria tinha ela comprado o relógio para eu poder pedir a sua reparação ou substituição. Ai que o ela me respondeu, depois de dar sonora gargalhada:

– Meu querido genro, eu não comprei o relógio em nenhuma ourivesaria, mas sim a uns ciganos, na Praça da Figueira (Lisboa). Se quiser, vá à procura dos ciganos e faça a reclamação …

Ai o que eu tive vontade de lhe responder, mas vá lá, só pensei…

No regresso ao jornal logo no Novo Ano, prendi esse tal relógio no pulso direito (o normal é no esquerdo). Para realçar mais o tal relógio, até arregacei a manga da camisa.

– Olhem malta, o Carlos tem um relógio novo! – Chamou a atenção um colega.

Quase todos se levantaram das respectivas cadeira para virem admirar a prenda da minha sogra. Um deles reparou que a máquina não trabalhava, o que eu logo respondi:

– Meus amigos, este relógio é só para vocês o admirarem a sua beleza. Se quiserem saber as horas, tenho aqui este no pulso esquerdo!

A risada foi geral.

Ao saber do sucedido, uma colega telefonista disse-me:

– Olha Carlos, os ciganos estavam a vender esses relógios de fantasia, na Estação do Rossio (comboios – trens) a 15 escudos…

Anos depois, minha esposa chamou-me a atenção que meu filho mais velho tinha ficado triste por Papai Noel não lhe ter dado um relógio. Quando lhe entreguei, a então criança chorou, deu pulos e gritos, mas a certa altura parou com o seu contentamento e encarou-me de frente, perguntando-me:

– Papá, por acaso não compraste este relógio aos ciganos, pois não?…

– Não meu filho, comprei-o numa ourivesaria e tem garantia. Mas qual a origem dessa tua pergunta?…

– É que tenho ouvido umas histórias de um relógio que a avó tem deu …
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CARLOS LEITE RIBEIRO, jornalista e escritor, nasceu em Lisboa, em 1937. Radicou-se em 1967, na Marinha Grande (concelho de Leiria). Trabalhou no Jornal do Comércio, em Lisboa, escrevendo “Nomes e Figuras que deram seu nome às ruas de Lisboa”. Editou "Uma Semana no Rio de Janeiro" e "As Horas do Destino" e muitos ebooks. Cursou Educação Física (1962), História (Politécnico 1964) com Mestrado em 1976, Geografia (Politécnico 1967) com Mestrado em 1984. Idealizador do Portal CEN - "Cá Estamos Nós", fundado em 1998. Membro Honorário e de Honra da ALMECE - Academia de Letras Municipais do Estado do Ceará (Brasil). Faleceu em 2018.

Fontes:
Texto enviado pelo autor em 05.01.2010. 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

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