28 abril 2025

Carolina Ramos (O Tombo)


Se melancia tivesse pernas, certamente seriam as de João Sereno – curtas, gordinhas, atarrancadas – um parênteses, aberto na esquerda e fechado na direita. Pernas bastante fortes para sustentar um corpo rotundo.

Quando apontava na esquina, todo o mundo sabia: – Lá bem João Sereno. Inconfundível!

E o dia em que João Sereno caiu, foi memorável! Um tombinho à-toa como outro qualquer. Desses de cair e levantar num segundo. Mas, não foi isso o que aconteceu. A queda de João Sereno foi algo de sensacional, para não ser esquecido por ninguém, que viu ou ouviu contar!

Naquela tarde histórica, vinha ele da fábrica. Passo lento, cansado, pura imagem da exaustão.

Desde que apontara no alto da rua, cumprimentava, um a um, os amigos da vizinhança com a cordialidade costumeira e o sorriso que, mesmo debaixo de chuva, prenunciava sol.

João Sereno não esperava pela escorregadela. E quem a espera? Não fosse assim, os tombos, as topadas, as imprecações e os dedões esfolados deixariam de existir.

Aquela casca de manga, esquecida traiçoeiramente no meio da calçada, foi o bastante para que a melancia humana voasse, pernas acima da cabeça, estatelando-se, em seguida, espetacularmente no solo. Tudo terminaria nessa desastrosa aterrisagem, se o declive acentuado, não desse continuidade à tragédia. A própria rotundidade do acidentado favoreceu-a. João Sereno rolou, como rolaria a melancia, que largada ao topo da ladeira! Por mais que as pernas curtas e os braços mais curtos ainda, tentassem simular tentáculos para agarrar-se a alguma coisa, só conseguiram impulsionar, com maior ímpeto, o bólido humano. Mais abaixo, foi chocar-se contra a lata de lixo reciclável, à espera da coleta, e que rolou com ele, a esparramar, na trajetória, tudo o quanto engolira.

João Sereno deixou, temporariamente, de ser sereno. Sacudindo as roupas e compondo a dignidade, não pode deixar de considerar, maldita, a casca da manga e a não menos abominável displicência do dono dela. Mestres no ensino de voo e no resguardo dos segredos para uma boa aterrisagem.

Ganhou algumas escoriações inevitáveis. Não graves. E ganhou, também, nova alcunha.

Os velhos amigos continuaram a chamá-lo, com simpatia, de João Sereno. Os mais novos, maliciosos e irreverentes, não deixaram por menos: – mal vislumbrada, ao longe, a figura redonda, já risos abafados e cochichos maldosos, alertavam:

– Sai da frente… lá vem o João Boliche!

Pilhéria ou precaução? – A questão é que o caminho ficava, num instante, completamente livre!
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CAROLINA RAMOS nasceu em Santos/SP, em 1924. Dia 19 de março de 2025, comemorou seu 101. aniversário. Desde cedo atraída pelas letras, seus amigos mais chegados eram os livros. Essa preferência aproximou-a das artes e literatura. Na Escola Normal, diplomou-se como Professora e Secretariado.. Completou seus estudos formando-se em música. Fez o curso completo de Música. Vários cursos de Literatura, de Folclore, Línguas e um pequeno Curso de Enfermagem. Leu na adolescência, tudo o que lhe caia nas mãos, desde toda a obra de Machado de Assis, José de Alencar, e outros nacionais e estrangeiros. No ginásio, costumava fazer algumas quadrinhas de pé quebrado. Fez seu primeiro poema quando a filha, Márcia, nasceu, “Se eu soubesse esquecer”. Publicou versos num Suplemento de Arte, do Jornal local, A Tribuna. Possui vários prêmios, no Brasil e alguns no Exterior, de Contos, Poesias, Trovas e Crônicas. Por seu poema, Paz, foi agraciada com Diploma e Medalha de Mérito Internacional, em Nocera - Salerno, Itália. Trovadora, contista, poeta, santista ilustre, foi Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Santos por oito anos (2001 a 2007) e Presidente da União Brasileira de Trovadores – Seção de Santos. Pertence a diversas entidades culturais, como Academia Santista de Letras, Academia Feminina de Letras, Academia Cristã de Letras de São Paulo, Confraria Brasileira de Letras, e de várias outras Academias de Letras e entidades culturais do Brasil. Agraciada com diversas medalhas de mérito cultural em Santos, com a “Medalha do Sesquicentenário de Santos”, outorgada pela Prefeitura Municipal; “Medalha dos Andradas”, pelo IHG de Santos e “Medalha Brás Cubas”, outorgada pela Câmara de Santos, em 2006”. Recebeu diversos títulos, homenagens e prêmios em Portugal e Angola. Em 2021 o título de "Princesa da Trova" . Em 2023, vencedora do Hino Oficial da Academia Cristã de Letras de São Paulo. Alguns livros publicados:
“Sempre” – (Poesias); “Cantigas Feitas de Sonho” – (Trovas); “Interlúdio” – (Contos); “Paulo Setúbal – Uma Vida Uma Obra”  (em parceria c/Cláudio de Cápua); “Júlia Lopes de Almeida” – (Biografia); “Feliz Natal!” – (Contos Natalinos); “Príncipe da Trova” – (Biografia); “Liberdade... Sonho de Todos!” – (Prosa – Poesia – Trova) ; “Destino” -  (Poesias); ”Canta...Sabiá!”  (Folclore do Brasil); ”Bichos... Bichinhos... e Bichanos...” (livro infantil), entre outros.
 
Nas palavras de Carolina em entrevista concedida ao gestor cultural José Feldman: 
“A obra do escritor não tem fronteiras. Não há limites que cerceiem a sua criação, e, muito menos, cronológicos. Mas o escritor não é imune às influências do meio e da época em que vive. Seus escritos bebem a água da inspiração, na fonte que corre perto de seus pés. A voz do escritor incorpora a voz do seu tempo e, automaticamente, através do que escreve, passa a interagir, de acordo, ou não, com a vida que rola à sua volta, e até mesmo contra suas próprias convicções, segundo as exigências da personagem criada. Note-se, que há, sempre, escritores e poetas envolvidos nas grandes causas que o cercam e que acabam por marcar suas existências. É por isso, que podemos afirmar que poetas e escritores, em qualquer tempo ou lugar, são quase sempre ativistas sociais e arautos dos grandes acontecimentos que marcam o seu tempo.”

Fontes:
RAMOS, Carolina. Interlúdio: contos. São Paulo: Editor: Cláudio de Cápua. Abril/93. Livro enviado pela autora, 
Imagem criada com Microsoft Bing 

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