19 junho 2025

Machado de Assis (Badaladas – 20 de outubro de 1872)


A notícia dada por um jornal paraense de que um candidato se envenenara ao saber do resultado de alguns colégios eleitorais, tem-me dado que pensar até hoje.

O mesmo acontece ao meu moleque.

— Nhonhô, dizia-me ontem este interessante companheiro de doze anos, ser deputado é então uma coisa muito superfina. Ninguém se mata porque não tirou a sorte ou porque perdeu o primeiro ato do Ali-Babá.

— Assim é, respondi eu, conquanto uma eleição seja mais ou menos uma loteria. Poucos prêmios e muitos bilhetes brancos.

Nem será difícil achar semelhança entre uma eleição e uma mágica; avultam em ambas as visualidades e tramoias. Até há música na eleição: variações sobre motivos dos queixos. Há também fogos de. . . bengala.

Em todo caso, querido moleque meu, custa-me a engolir a notícia, que me cheira a carapetão (mentira). Ser deputado é bom, direi até excelente; mas, com seiscentos fósforos! não é motivo para entrar na eternidade!

…… O que? Se eu nego o suicídio político? Não, moleque, eu não nego o suicídio político. Eu tenho notícia da morte de Catão.

Todavia, três colégios eleitorais não fazem uma Pharsalia, nem a república expirou em Serpa.

Eu compreendia o suicídio político (ainda que anacrônico), se a eleição do candidato estivesse ligada a sorte da liberdade e da nação.

Bem, direi eu, aquilo já não se usa; ninguém se mata hoje por essas duas moças; mas em suma o candidato era um romano transviado no século XIX. Viu que depois da expressão das três urnas a constituição era simplesmente o nome de uma praça no Rio de Janeiro e uma fórmula de terminar decretos.

. . . Pátria, ao menos,
Juntos morremos!. . .

E expirava com a pátria, e eu não tinha nada que dizer nem duvidar.

Mas duvido e duvido muito. A folha do Pará tem obrigação de verificar a notícia e informar os seus leitores, em cujo número estou.

Na cidade de Porto Alegre há grandes queixas contra as badaladas… Descansem; falo das badaladas dos sinos.

Há abusos, dizem as folhas, nos toques dos sinos por ocasião de cerimônias fúnebres.

Que fez então o governador do bispado?

Ordenou imediatamente que cessasse o abuso, transcrevendo vários artigos da Constituição sinodal.

Até aqui tudo vai bem.

Notei, entretanto, na Constituição sinodal uma coisa, que naturalmente tem explicação, mas que eu não compreendo. Diz-se aí que por um homem haverá três badaladas, por uma mulher duas, e por uma criança uma, seja macho ou fêmea.

Ora, por que motivo os filhos de Adão terão direito a mais uma badalada do que as filhas de Eva? Um defunto é um defunto. Não há necessidade, penso eu, de indicar aos fregueses da paróquia o sexo do cristão que cessou de viver, porque o padre-nosso é um para todos, e se as três badaladas querem dizer que os fiéis devem rezar mais alguma coisa, quando se trata de um homem, há nisto uma tal parcialidade masculina, que eu não posso deixar de a denunciar ao sexo oposto, como dizia um deputado provincial.

Repito, há alguma razão que eu não compreendo, e por isso limito-me a exprimir a dúvida. Para alguns leitores fluminenses há de parecer curioso que ainda exista o uso dos toques fúnebres no Rio Grande.

Isto me faz lembrar que também o tivemos aqui, e que se acabou, naturalmente por pedido dos fiéis, o que inspirou algumas belas linhas ao folhetinista do Jornal do Comércio em 1854.

Não o tenho à mão; mas lembra-me que ele lastimava que se houvesse posto termo ao uso dos toques fúnebres e pedia a vinda de algum Chateaubriand que nos reescrevesse o que o outro havia dito da poesia religiosa dos sinos.

Não é preciso dizer que o Chateaubriand não veio. Em compensação veio o Zuavo da liberdade. Uma correspondência do Apóstolo critica um redator do Pelicano por afirmar que Galileu dissera: e pur si muove. Quer o correspondente que devesse dizer: e pur si muovere. Isto espanta-me! Conversavam X e Z a propósito da festa da Penha. Z perguntou donde vinha o uso da romaria. O interrogado ia justamente perguntar a mesma coisa, mas não hesitou em responder:

— É um uso romano. A austera república tinha esses dias de festa, semelhantes às férias latinas, e era então que todo o povo dava largas ao prazer. Pode-se dizer que nessas ocasiões Roma ria.
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DEFINIÇÕES

Calça de meia: eufemismo da perna.
Luar: — rio francês que se pode ver em toda a parte.
Bossas: — protuberâncias no crânio, onde nunca se demoram os ratoneiros, porque as passam. Verdade é que tem medo de passá-las sozinhos; passam com — C — cedilhado.
Beijo: — principio fim.
Carraspana: — forma popular do good spirit.
Olhos: — batedores do coração.

Dois proprietários: 

— Não há como as salas pequenas com seus tetos baixos e naturalmente pequenos. Eu não posso olhar para um teto grande e alto. 

— Eu sou justamente o contrário; para mim, um teto deve ser um arquiteto. No Jornal do Comércio de quarta-feira dá G. F. a Ti o seguinte aviso: “Ontem te passei uma carta dentro da grade: desejo saber se a recebeste.” 

Esperei ansioso o Jornal de quinta-feira para ver a resposta de Ti e ficar tranquilo a respeito da sorte de G. F. 

Céus! Nem uma linha. 

Em compensação, se não achei a resposta que esperava, achei estas poucas linhas merecedoras de atenção: é uma despedida. 
N. 

Não te posso mais escrever, apanhei agora este meio para te dizer que decididamente temos que nos separar para sempre, esquece o meu juramento, não desejo dar desgosto a minha mãe, quando eu tenha idade e tu saúde e emprego honesto, então veremos. M. 

Peço desculpa à menina M. 

S. Excia. parece-me extremamente fácil em despedir o namorado. 

Em primeiro lugar participa aos leitores do Jornal que ele é doente e tem um emprego desonesto. Que emprego será?! 

Isto é o menos: O mais é isto: A menina M jurou ao seu N amá-lo eternamente como essas coisas se juram. 

Devo crer que falava com toda a sinceridade do coração. Mas sua mãe opõe-se ao casamento; o caso é grave; ela é sua mãe; viu naturalmente que o emprego do namorado é desonesto e que este de mais a mais não tem saúde. 

Que faz a menina M?

Diz ao namorado: “esqueça o meu juramento.” 

E dadas tais circunstâncias, “Então veremos!” 

Pedir-lhe que esqueça o juramento é já muito; mas o “então veremos” permita-me S. Excia. que lhe diga, e que lhe diga a francesa: c'est raide (é duro). Equivale a dizer: “Se daqui até lá eu não tiver outro namorado, e se você já estiver curado e honestamente empregado, então pode ser que a plausibilidade de uma esperança vaga e toda conjectural nos reúna outra vez.”

Queira perdoar se me engano.

Acabava de escrever estas linhas quando me caiu à mão o Jornal do Comércio de ontem. N aceita a despedida; declara, porém, que não se esquecerá dela nem do juramento.

Com razão; vê-se que ama. Poderia acrescentar que a primeira a não esquecer o juramento devia ser ela.

Em todo o caso desejo que sejam felizes, que volte a saúde ao namorado, que nela não se apague a lembrança dele, e que, vencida a repugnância da mãe, ambos se casem e vivam muitos anos.
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Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908), mais conhecido como Machado de Assis, foi um dos maiores escritores brasileiros, um gênio literário que revolucionou a literatura brasileira e deixou um legado imenso para as gerações futuras. Ele nasceu no Rio de Janeiro, em 21 de junho de 1839, e faleceu na mesma cidade, em 29 de setembro de 1908. De família humilde, com um pai pintor e uma mãe portuguesa. Sua infância foi marcada por dificuldades e pela fragilidade de sua saúde, sendo gago e epilético. Apesar das dificuldades, ele demonstrou grande talento para a escrita desde cedo, publicando seu primeiro soneto, "Ela", aos 15 anos. Trabalhou em diversos cargos, incluindo revisor, tipógrafo e funcionário da Secretaria de Estado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. No entanto, sua paixão pela literatura era inegável, e ele dedicou-se à escrita de romances, contos, crônicas, poesias e peças de teatro. É conhecido por suas obras de profunda análise psicológica, crítica social e escrita elegante e irônica. Algumas de suas obras mais famosas incluem: 
Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881): Um dos seus romances mais emblemáticos, que marcou o início do Realismo no Brasil. 
Dom Casmurro (1899): Uma obra que explora a infidelidade e a obsessão de Bento em relação a sua esposa, Capitu. 
Esaú e Jacó (1904): Um romance que aborda a questão da raça e da identidade brasileira. 
Memorial de Aires (1908): Um romance que traz um tom mais melancólico e reflexivo, explorando a nostalgia e a solidão. 
Quincas Borba (1891): Um romance que critica a hipocrisia e a falsidade da sociedade. 
Helena (1876): Um romance que retrata a vida amorosa de uma mulher que se apaixona por um homem casado. 
A Mão e a Luva (1874): Uma peça teatral que aborda a questão do casamento arranjado. 
Machado de Assis foi o primeiro diretor da Academia Brasileira de Letras, instituição que ele ajudou a fundar. Sua obra foi traduzida para diversas línguas e é considerada uma das mais importantes da literatura brasileira e mundial. Ele é reverenciado como um dos maiores escritores brasileiros, um gênio literário que deixou um legado imenso e duradouro. Era um mestre na análise psicológica de seus personagens, explorando seus sentimentos, pensamentos e motivações. Sua obra fazia uma crítica mordaz à sociedade brasileira do século XIX, expondo as desigualdades sociais e as contradições da elite burguesa. Usava uma linguagem refinada, com um tom irônico e cheio de sutilezas, que o tornava um escritor único. Sua escrita era marcada por uma linguagem ambígua, que permitia diferentes interpretações e leituras da sua obra. Machado de Assis foi um dos primeiros a se aproximar do Realismo, mas com um toque próprio, criando um estilo único e original.

Fontes:
Publicado originalmente na. Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, de 22/10/1871 a 02/02/1873.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

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