08 maio 2025

Artur da Távola (Eu Canto a Mulher Sofrida)


Sofrida é mulher por quem a vida passou machucando uma sensibilidade menina, feita de dádiva, confiança no próximo, esperança de melhorar o mundo.

Sofrida é a mulher que não viveu em vão, na delicia burguesa de ser objeto de sexo, admiração fácil ou mimo, preferindo o caminho penoso da independência, a procura honrada da própria dimensão pessoal, existencial, política.

Sofrida não é a pessoa derrotada ou apenas sofrente, fonte de dores e masoquismo sem fim: sofrida é a pessoa que tem energia e nervos para enfrentar na carne todas as disposições e contradições necessárias a viver e a conquistar o direito à vida, à liberdade, à solidão, ao afeto dos seus.

Sofrida é a pessoa que olha ao seu lado a miséria social e humana e não fica impassível ou indiferente, apenas porque se supõe livre de idêntico perigo.

Sofrida é a mulher de uma geração que assistiu à castração de seu sonho político, embora o veja crescendo, melhorando e se transformando pelo mundo a fora.

Sofrida é a mulher que viveu varias décadas em cada uma das três ultimas. É a pessoa que soube incorporar ao seu viver todas as dores necessárias à libertação: dos preconceitos próprios e alheios; dos atrasos ancestrais; da dor de viver adiante no tempo; das agressões retrógradas; das maldades profissionais; do medo da sua mensagem renovadora.

Sofrida é a mulher que teve restrições na sua carreira, ameaças, invasões do seu espaço vital por causa das suas ideias; por causa da sua capacidade de viver com intensidade tudo aquilo em que estava crendo do fundo de sua sincera convicção.

Sofrida é a mulher que assistiu à queda de muitos, ao cansaço de outros, à morte de terceiros, à dor, à tortura, ao vicio, à desistência à loucura, à resistência, à tenacidade, ou a convicção de todos os que se insurgiram contra qualquer forma de agressão humana, de opressão ou de injustiça.

Sofrida é a mulher que aí está, cada vez melhor porque de costas erguidas a despeito de tudo o que viu. Sofreu e passou.

Sofrida é a mulher que não desistiu de Ser; que não se alienou; que não fugiu da dor; que se embelezou com as rugas conseguidas; que se purificou com as impurezas que em si descobriu; que mergulhou com igual coragem na própria miséria e na própria grandeza, saindo melhor de ambas.
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Artur da Távola nasceu no Rio de Janeiro, em 1936 e faleceu na mesma cidade em 2008, pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros, foi um professor, advogado, escritor e político brasileiro. Pelo Rio de Janeiro, foi senador e deputado federal e estadual, e secretário da Cultura. Foi um dos fundadores do PSDB. Como jornalista, atuou como redator e editor em diversas revistas, notavelmente na Bloch Editores e foi colunista de televisão nos jornais Última Hora, O Globo e O Dia, sendo também diretor da Rádio Roquette-Pinto. Távola apresentava o programa Quem tem medo de música clássica?, na TV Senado onde demonstrava sua profunda paixão e conhecimento por música clássica e erudita. No encerramento de cada programa, ele marcou seus telespectadores com uma de suas mais célebres frases: “Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão.” Foi condecorado com Ordem do Mérito Militar no grau de Comendador especial; Ordem do Mérito Naval Grau de Grande Oficial; grau de Grã-Cruz à Ordem do Infante D. Henrique, de Portugal, entre outros. Publicou diversos livros de contos e crônicas. alguns com prefácios escritos por diversos famosos, tais como: Fernanda Montenegro, Pedro Bial, Carlos Vereza e Beth Faria.

Fontes:
Artur da Távola – Cada um no meu lugar, 1980. Enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing 

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